E todo o mundo é bipolar! De um polo a
outro, entre dois hemisférios opostos, a bipolaridade inscreveu o seu ADN em
tudo quanto existe: no género, na terra e no mar, no dia e na noite, no corpo e
na alma, no coração e na mente. Se “todo o mundo é feito de mudança”, também
é-o não só de bipolaridades, mas de
multipolaridades. O alfa e o ómega,
o promontório e o abismo, a montanha e o vale, o belo e o feio, o positivo e o
negativo. E, decididamente, é nesta
ambivalência estrutural que está o germe do crescimento e da luz que ilumina o
presente e o futuro, tal como do chispe frontal entre a tese e a antítese surge
a desejada síntese, enquanto instrumento de inovação científica.
Transposto
para o campo experimental dos comportamentos humanos, o princípio da
bipolaridade saudável, diversa da bipolaridade patológica, deverá constituir o
manual iniciático do pedagogo, construtor de personalidades. O educador, seja
ele no seio familiar, seja no meio escolar, se não souber diagnosticar a
sintomatologia estrutural e as virtualidades insertas nos comportamentos
bipolares do educando, jamais cumprirá o nobre desígnio do seu estatuto. Nisso
vai a marca distintiva dos autênticos pedagogos que constroem a história e
fazem singrar a humanidade nos caminhos da plena realização humana.
Vêm
estes considerandos a propósito dos dias 28 e 29 de Junho, tecidos de
policromias, liturgias, litanias diante de uma imagem que é a denegação do seu
original, a contradição mais absurda entre o representante e o representado. O
protagonista era o pescador da Galileia, a imagem é de um titular da mais
requintada aristocracia, cone acilindrado na cabeça com três coroas especiosas
a que chamam tiara, vara banhada em ouro de tríplice cruzeiro, que dá pelo nome
de báculo do poder pontifício. Melhor seria se trouxesse nas mãos a cana de
pesca, as redes de emalhar e na cabeça o
chapéu-salitre dos velhos lobos do mar.
É
este, o pescador, que há muito interiorizei e de quem hoje me ocupo. Simão Pedro,
quase anónimo na companha do barco pertencente a Zebedeu, pai de João e Tiago.
É a este Pedro que designo como bipolar, o qual transitou depois para outra Nau,
a do Nazareno. Precisamente na bipolaridade dos seus comportamentos vou
encontrar a grandeza e a fragilidade da condição humana. Um igual a cada um de
nós! Nesta semântica, um homem do povo e, só por isso, um santo popular.
Pedro,
rude como os rochedos, bravo e generoso
como as ondas do mar, tímido como a criança que não sabe nadar. No entanto, um
homem de mão do Mestre. Foi Ele quem lhe mudou a sorte e o nome: deixou de ser
Simão para tornar-se Pedro e Pedra de alicerce. Ninguém tocasse no seu Mestre,
que logo desembanharia o navalhão de cortar o pescado e com ele arrancaria a
orelha e muito mais ao eventual agressor de Jesus, como fez no Jardim das
Oliveiras a um dos guardas da autoridade oficial. Pedro, o maior, o mais corajoso,
o fidelíssimo!
Passou-se
uma hora, pouco mais ou menos, após ter jurado dar a vida pelo Mestre. E a
bipolaridade aparece em toda a nudez e horror: acossado pelo medo no meio de
alguns marginais mercenários contra Jesus, jura – uma, duas, três vezes! – Nunca vi esse homem à minha frente, Não o conheço de
lado nenhum.
Tremenda
traição, inqualificável, degradante! Onde está Pedro, o incondicional e ardente
defensor do seu Amigo e Mestre?! Motivo mais que suficiente para ser irradiado
do grupo dos Doze e merecer o desprezo total do Nazareno!
A
tanto chegam os extremos da bipolaridade humana! Pedro, um de nós que somos frágeis,
tímidos, bipolares!
Mas
não acaba na fossa punitiva o comportamento de Pedro. O Grande Pedagogo, o
Psicólogo promotor da metamorfose humana, o Mestre da História, aceita o
doloroso pedido de perdão do ‘traidor-bipolar’ e coloca-o na liderança da sua
Nau, à frente de todos os seus apóstolos. Inigualável, inexcedível, supremo o
gesto do Nazareno que, para além da fragilidade humana, intuiu a grandeza e as
virtualidades renascidas das próprias cinzas.
É
neste pescador que me revejo. E é a este Mestre que cultuo.
Em
28/29 de Junho: em todo o dia, em todo o mês, em todo o ano!
29.Jun.20
Martins Júnior
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