No
dia - o segundo do ano litúrgico
dedicado à Eucaristia, sendo que o primeiro foi em Quinta-Feira Santa – a par
da magnitude cénica de que se reveste desde
tempos imemoriais, traz-nos problemas e dilemas de interpretação, aos quais o
magistério eclesiástico foge a responder. Aqui os deixo formulados, como liminares
brilhando na escuridão, à espera das nossas respostas:
1
– “Quem come a minha carne e bebe o meu
sangue tem em si a vida eterna” (Jo.6, 51-58).
A
questão: dado que as conjunções não são disjuntivas ou optativas, mas
copulativas e cumulativas, é legítimo concluir que os comungantes do pão só
recebem metade do Cristo, metade da vida eterna, visto que não bebem o
seu sangue. O pão incarna a massa corpórea e o vinho o sangue do Nazareno. Na hora da comunhão,
apenas o celebrante é que toma o vinho, “o sangue”. Os fiéis não. E então, pergunta-se:
será possível receber o corpo sem receber o sangue, fonte de vida circulando
nas artérias, nas veias, nos vasos capilares?... Receberá tão-só um cadáver do
passado? Será possível? Respondam os tratadistas teólogos, hermeneutas sacros.
2
– “A minha carne é ima verdadeira comida
e o meu sangue uma verdadeira bebida. Tomai todos e bebei”.
Questão:
Teria sido Jesus de Nazaré apologista da antropofagia?... O realismo e a crueza
do texto joanino quererão sobrepor a interpretação literal à visão espiritualista,
holística, da Eucaristia?...Explicará cabalmente este dilema a doutrina da
Transubstanciação?...
3
– “Em verdade, em verdade vos digo: o pão
de Deus é o que desce dos céus e dá vida
ao mundo. Eu sou esse pão dos céus” (Ibid.).
Isto
disse o Mestre após ter saciado com pão material a fome a cerca de cinco mil
pessoas. E acrescentou: “Eu sou o pão da
vida. Quem crê em mim, nunca mais terá fome”.
Questão:
Não terão os cristãos corrido o risco de entronizar o pão material,
sobredoirando-o entre raios flamejantes e tronos dourados e, inconscientemente,
subalternizado a verdadeira essência da
Vida?...
4
– “Jesus subiu ao monte e assentou-se ali
com os seus discípulos. Havia muita relva naquele lugar, Jesus mandou que a
multidão se assentasse em grupos”. (Ibid.) Tempos depois, na Última Ceia, juntou os Doze, assentou-se com eles à mesa (Mt.26,
19 e sgs.) e ali instituiu a Eucaristia.
Questão:
na continuidade da questão anterior, não estaremos nós a forjar (ou a
consentir) aparatosos protocolos palacianos (vestes, baixelas, pálios orientais, incensos
oníricos e destacadas entidades ornamentais) com o risco sofisticar e talvez profanar aquele
ambiente de íntima convivialidade e pura espiritualidade que Jesus optou para
oferecer o pão da Vida e o vinho da Alegria salvífica ao povo que
militantemente O seguia?..
.
São estas, entre muitas outras, as “dúvidas
metódicas” que se nos afloram num dia em que, pese embora o carácter restritivo
da pandemia, voltam à ribalta da publicidade em diversas capitais de distrito e
regiões, a nossa inclusive, as comemorações do espírito magnânimo de Jesus de
Nazaré em pretender ficar connosco, num Sacramento que Ele quis da mais sã
proximidade e nunca de exibicionismo elitista, espectacular. O verdadeiro crente,
enquanto destinatário da Eucaristia, tem todo o direito e todo o dever de tentar
interpretá-la na mesma óptica do Seu Fundador. É o objectivo único destas modestas
linhas.
11.Jun.20, Dia do “Corpus
Christi”
Martins Júnior
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