Não
será preciso recorrer ao organigrama burocrático – no alcance semântico e
empresarial que lhe deu Max Weber – nem também analisaremos ao microscópio a
estreita relação o entre mais fino capilar e o estelar universo do cérebro,
para compreendermos que nada no macrocosmos sócio-político-cultural em que nos
movimentamos, nada acontece por acaso ou ingénua geração espontânea. Tudo gira
na secreta redoma de causa e efeito, de empatia versus antipatia, de um comando à distância e de uma inexorável
lógica executiva, mesmo que imperceptível a olho nu. As bases da pirâmide, por
multiformes ou dispersas que nos pareçam, só ganham sentido se obedecerem à
síntese unificada do vértice, bem como a sensibilidade da ponta de um dedo só
se sente feliz se satisfizer a felicidade do centro operacional cerebral.
Falo
do polícia assassino de George Floyd ou, mais explicitamente, daquele joelho
dobrado, que tanto pode significar pedido de perdão como implacável instrumento
de tortura. E se volto ao caso é porque, a propósito do escrito anterior,
criticaram-me por não ter ido ao fundo da questão, ao exacto nó do problema.
Certo que apenas – e não é tão pouco – procurei demonstrar a cruel tacanhez da
condição humana que só se deixa impressionar pelo escândalo e pela anormalidade
mais extrema e macabra.
Deixei
para hoje, em breves traços, a dissecação do monstro. E de todos os outros e de
todos os tempos, situados não no topo mas nas secções intermédias ou até nas
bases da pirâmide do poder. Não errarei nem sequer a ponta de uma unha negra se
disser que, na escala de transmissão de competências, os subalternos, desde os
graduados aos rasos, em tudo quanto fazem têm presente a mão do chefe e, seja qual
for a arma da tortura, usam-na com o sentimento de que estão agradando ao
líder. Digamos que satisfazem-se com a plena felicidade da ‘missão cumprida”, à
espera da comenda de ‘excelentes serviços’. Derek Chauvin aguarda a medalha em
parada de gala…
O
líder é o sistema. O regime. Não vale a pena iludirmo-nos com a farsa das “maçãs
podres”, (e os outros são todos bons) como denunciava com veemência o rapper
afroamericano. O problema não está só no indivíduo, no
policial Derek Chauvin. O nó do problema é o topo, o vértice da pirâmide,
o cérebro. No caso vertente, Donald
Trump. Correu pelas redes sociais (retirado depois) um exemplar perfeito de
ilustração gráfica que, em vez do polícia, via-se Trump com o joelho
estrangulando a estátua da liberdade caída no chão. Eloquente!
Se
insisto no regime, estou insistindo connosco. Com cada um de nós. Porque
Trump´s existiram e existirão. Por isso, não resulta apontar o dedo aos actores
individuais, com que hipocritamente se deliciam comentaristas, analistas de
bancada, jornais e afins. É muito cómodo atacar o indivíduo, quanto difícil e
corajoso é enfrentar o sistema e os seus corifeus. E se não fizermos a nossa
parte, somos todos Derek Chauvin!
Gerações
de fibra arriscaram a vida, apodreceram nas prisões e foram deitados ao mar e
ao exílio nos 48 anos de ditadura salazarista. Aqui na Madeira do pós 25 de
Abril, foram quase tantos os mesmos anos em que foi preciso abalar o sistema,
os ‘cristãos-novos’ da democracia, os ditadores herdeiros de ditadores, para
que se respirasse um novo ambiente de salubridade cívica e política. Até – por incrível
que pareça – no seio da própria instituição Igreja, também responsável por muitos
abusos do poder autoritário insular!
Sei
que é assunto de sempre, mas nunca é demais trazer à luz do dia, proclamar na praça pública e no mais íntimo da
consciência (nacional, regional e local) que são os cidadãos que constroem a
sua cidade, os regimes e os líderes que merecem! É a esta campanha contínua e
persistente que eu chamo o Ambiente. E neste Dia Mundial do Ambiente, ouso
propor a cruzada do Bom Ambiente social, pela coragem e pelo amor à Terra e ao
Povo, apoiando todos os contributos para uma sociedade arejada e produtiva,
mesmo que nos seja pedido esforço, abnegação, quantas vezes em prejuízo pessoal,
mas em saldo positivo de uma saúde global a que todos temos direito.
05.Jun.20
Martins Júnior.
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