No
meio de um festival avermelhado de pirotecnia clerical, em que a nata de
purpurados madeirenses tem brilhado nos céus de Portugal e da Europa –
pergunta-me alguém com certa estranheza
- por que peregrina razão andas tu em
contra-corrente, perdido lá nas serranias das Corticeiras, entretido com as
peripécias de um mediano cura de aldeia?...
Small is beautiful – volto a responder
com Ernt Friedrich Shumacher – sem prejuízo
das grandes estrelas, mas com a justeza de quem vê entre os seixos do regato o
diamante escondido. Eis o Padre Tavares, na sua real dimensão: precioso e belo (beautiful)
na veste da mais rasteira (small)
e transparente violeta de um ‘jardim da
serra’.
Por isso e porque o mundo não o
conheceu (o mundo somos nós!) tomei a decisão
de trazê-lo - ele Ímpar - à mesa digital dos nossos ‘dias ímpares’. Após a anterior
evocação do seu amor à terra grávida da força evolutiva do Demiurgo Criador,
como Francisco de Assis e Teilhard de Chardin, apresento hoje Padre Tavares,
enquanto teólogo comprometido com a Teologia do Evangelho, cujo espelho e guia
centram-se na personalidade do Nazareno.
Sei de muitos escritos seus, dispersos
em estilo epistolar, endereçados aos colegas sacerdotes, aos bispos e aos órgãos
de comunicação social da Madeira e do Continente onde, com a clareza e a
coragem que eram peculiares, explicita a sua Sumula Theologica, numa linguagem cuidada e precisa. Eis alguns
excertos:
“Jesus conviveu com as pessoas, abrindo-lhes
os olhos através das parábolas e lançando-as na preocupação do pão, da saúde e
da solidariedade fraterna. E instalou estes conteúdos no diálogo e convívio com
o Pai. O Reino da Criação e o Reino de Deus têm ambos a mesma origem e são
inseparáveis”. A esta união,
analogicamente hipostática, Teilhard
designa como o “Deus-em-Cima ( o da Revelação) e o Deus-em- Frente ( o da
Evolução). “Por isso, neste ambiente
frustrado em que vivemos, fazer do exercício religioso um tempo de petição a
Deus, esperançados no prémio eterno após a morte, não passa de um infantilismo.
A Vida não é rumo de mortos”.
É
de uma evidência frontal que o Padre Tavares foi na Madeira o maior intérprete
da Teologia da Libertação, na linha do anteriormente citado Leonardo Boff,
Gustavo Gutierrez, Sobrino e Óscar Tomero, Hélder da Câmara. No que concerne ao juridismo romano-católico,
limita-se a este comentário lapidar, de uma acutilância inapelável: “É preciso que o estudo do Novo Testamento seja
melhor e mais profundo que o estudo do Direito Canónico e dos rituais
sacramentais”.
Em
conferência proferida na Sala do Senado da Universidade da Madeira, (2014)
propõe e questiona: “Hans Kung, grande
teólogo do concílio Vaticano II e crítico do dogma da infalibilidade do Papa,
diz que o mundo das religiões é o’mistério e o imenso’ . Mas – pergunta o
Padre Tavares – por ser o mistério e o imenso
e não se compreender tudo, será razão para excluir a profundidade do tema? … E
acrescenta, em jeito de interpelação: “Nas igrejas funciona o normativo religioso. Os
sacerdotes celebram os actos litúrgicos
e as pessoas benzem-se, dizem: Amem, Amem, Assim Seja, batem palmas.
Depois, é o silêncio. Existe a fé, mas prefere-se a indolência à genica das
questões”.
Penetrando
mais profundamente no subconsciente latente activo do ser humano,
tendencialmente religioso, como dizia Pascal, o Padre Tavares descreve o que há de mais íntimo dentro de
nós: “No coração das pessoas há sempre toques
de acordar, convites a acertar o passo com as obrigações da dignificação. Cada
um de nós tem impressa em si a imagem do
Criador, uma imagem falante, desde que a pessoa se disponibilize”.
O
formato ‘blog’ não permite alongar mais. Padre Tavares, no recôndito do seu
bosque deleitoso, ouvindo e falando com as flores, as vinhas e os pássaros em
seu redor, estruturou um Tratado Interior, pleno de ciência teológica e
espiritualidade de gema, que nem os de perto conseguiram captar, tal a
singeleza e quase ingenuidade aparente com que se aproximava de nós. Mas a sua
biblioteca é a melhor testemunha do esforço que investia na pesquisa de teólogos abalizados, a que se
juntou o convívio colegial com o Prof. Pe. Anselmo Borges e Frei Bento
Domingues. Fica-me no horto dos lamentos a grande lacuna de que ele não tenha
podido deixar escrita a ‘sua’ História
da Igreja, que, segundo me disse, estava toda programada, mas infelizmente paralisada
pela doença e pela morte inevitável.
Encerro,
por hoje, este reencontro com o Padre Tavares, citando o seu apelo, sempre
jovem e determinado, como Paulo de Tarso, o Apóstolo das Gentes:
“Cristo quis
colocar-nos como luzeiros no âmago dos problemas da Vida. A tecelagem
estrutural da paz, da justiça, da solidariedade, como atmosfera propícia e
correcta para o desenvolvimento da Comunidade Humana, o Povo de Deus, deverá
beneficiar do derrame das Bem-Aventuranças, expostas no Sermão da Montanha.
Isso é nossa tarefa”.
Padre
Tavares, teólogo, místico, evangelizador! Sempre vivo!
17.Jun.20
Martins Júnior
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