quarta-feira, 17 de junho de 2020

DIAMANTE POR ACHAR - A RELIGIÃO DO PADRE TAVARES


                                                           
   
        No meio de um festival avermelhado de pirotecnia clerical, em que a nata de purpurados madeirenses tem brilhado nos céus de Portugal e da Europa – pergunta-me alguém  com certa estranheza -  por que peregrina razão andas tu em contra-corrente, perdido lá nas serranias das Corticeiras, entretido com as peripécias de um mediano cura de aldeia?...
          Small is beautiful – volto a responder com  Ernt Friedrich Shumacher – sem prejuízo das grandes estrelas, mas com a justeza de quem vê entre os seixos do regato o diamante escondido. Eis o Padre Tavares, na sua real dimensão: precioso e  belo (beautiful) na veste da mais rasteira (small)  e transparente violeta de um ‘jardim da serra’.
         Por isso e porque o mundo não o conheceu  (o mundo somos nós!) tomei a decisão de trazê-lo - ele Ímpar - à mesa digital dos nossos ‘dias ímpares’. Após a anterior evocação do seu amor à terra grávida da força evolutiva do Demiurgo Criador, como Francisco de Assis e Teilhard de Chardin, apresento hoje Padre Tavares, enquanto teólogo comprometido com a Teologia do Evangelho, cujo espelho e guia centram-se na personalidade do Nazareno.
         Sei de muitos escritos seus, dispersos em estilo epistolar, endereçados aos colegas sacerdotes, aos bispos e aos órgãos de comunicação social da Madeira e do Continente onde, com a clareza e a coragem que eram peculiares, explicita a sua Sumula Theologica, numa linguagem cuidada e precisa. Eis alguns excertos:
              “Jesus conviveu com as pessoas, abrindo-lhes os olhos através das parábolas e lançando-as na preocupação do pão, da saúde e da solidariedade fraterna. E instalou estes conteúdos no diálogo e convívio com o Pai. O Reino da Criação e o Reino de Deus têm ambos a mesma origem e são inseparáveis”.  A esta união, analogicamente hipostática,  Teilhard designa como o “Deus-em-Cima ( o da Revelação) e o Deus-em- Frente ( o da Evolução). “Por isso, neste ambiente frustrado em que vivemos, fazer do exercício religioso um tempo de petição a Deus, esperançados no prémio eterno após a morte, não passa de um infantilismo. A Vida não é rumo de mortos”.
É de uma evidência frontal que o Padre Tavares foi na Madeira o maior intérprete da Teologia da Libertação, na linha do anteriormente citado Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez, Sobrino e Óscar Tomero, Hélder da Câmara.  No que concerne ao juridismo romano-católico, limita-se a este comentário lapidar, de uma acutilância inapelável: “É preciso que o estudo do Novo Testamento seja melhor e mais profundo que o estudo do Direito Canónico e dos rituais sacramentais”.
Em conferência proferida na Sala do Senado da Universidade da Madeira, (2014) propõe e questiona: “Hans Kung, grande teólogo do concílio Vaticano II e crítico do dogma da infalibilidade do Papa, diz que o mundo das religiões é o’mistério e o imenso’ . Mas – pergunta o Padre Tavares – por ser o mistério e o imenso e não se compreender tudo, será razão para excluir a profundidade do tema? … E acrescenta, em jeito de interpelação:  “Nas igrejas funciona o normativo religioso. Os sacerdotes celebram os actos litúrgicos  e as pessoas benzem-se, dizem: Amem, Amem, Assim Seja, batem palmas. Depois, é o silêncio. Existe a fé, mas prefere-se a indolência à genica das questões”.
Penetrando mais profundamente no subconsciente latente activo do ser humano, tendencialmente religioso, como dizia Pascal, o Padre Tavares   descreve o que há de mais íntimo dentro de nós: “No coração das pessoas há sempre toques de acordar, convites a acertar o passo com as obrigações da dignificação. Cada um de nós tem impressa  em si a imagem do Criador, uma imagem falante, desde que a pessoa se disponibilize”.
O formato ‘blog’ não permite alongar mais. Padre Tavares, no recôndito do seu bosque deleitoso, ouvindo e falando com as flores, as vinhas e os pássaros em seu redor, estruturou um Tratado Interior, pleno de ciência teológica e espiritualidade de gema, que nem os de perto conseguiram captar, tal a singeleza e quase ingenuidade aparente com que se aproximava de nós. Mas a sua biblioteca é a melhor testemunha do esforço que investia  na pesquisa de teólogos abalizados, a que se juntou o convívio colegial com o Prof. Pe. Anselmo Borges e Frei Bento Domingues. Fica-me no horto dos lamentos a grande lacuna de que ele não tenha podido deixar  escrita a ‘sua’ História da Igreja, que, segundo me disse, estava toda programada, mas infelizmente paralisada pela doença e pela morte inevitável.
Encerro, por hoje, este reencontro com o Padre Tavares, citando o seu apelo, sempre jovem e determinado, como Paulo de Tarso, o Apóstolo das Gentes:
“Cristo quis colocar-nos como luzeiros no âmago dos problemas da Vida. A tecelagem estrutural da paz, da justiça, da solidariedade, como atmosfera propícia e correcta para o desenvolvimento da Comunidade Humana, o Povo de Deus, deverá beneficiar do derrame das Bem-Aventuranças, expostas no Sermão da Montanha. Isso é nossa tarefa”.
Padre Tavares, teólogo, místico, evangelizador! Sempre vivo!

 17.Jun.20
Martins Júnior

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