quinta-feira, 11 de junho de 2020

PARADOXOS DE UM DIA MAIOR … QUEM RESPONDE?


                                                        

No dia  - o segundo do ano litúrgico dedicado à Eucaristia, sendo que o primeiro foi em Quinta-Feira Santa – a par da magnitude  cénica de que se reveste desde tempos imemoriais, traz-nos problemas e dilemas de interpretação, aos quais o magistério eclesiástico foge a responder. Aqui os deixo formulados, como liminares brilhando na escuridão, à espera das nossas respostas:
1 – “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem em si a vida eterna” (Jo.6, 51-58).
A questão: dado que as conjunções não são disjuntivas ou optativas, mas copulativas e cumulativas, é legítimo concluir que os comungantes do pão só recebem metade do Cristo, metade da vida eterna, visto que não   bebem o seu sangue. O pão incarna a massa corpórea e o vinho  o sangue do Nazareno. Na hora da comunhão, apenas o celebrante é que toma o vinho, “o sangue”. Os fiéis não. E então, pergunta-se: será possível receber o corpo sem receber o sangue, fonte de vida circulando nas artérias, nas veias, nos vasos capilares?... Receberá tão-só um cadáver do passado? Será possível? Respondam os tratadistas teólogos, hermeneutas sacros.
2 – “A minha carne é ima verdadeira comida e o meu sangue uma verdadeira bebida. Tomai todos e bebei”.
Questão: Teria sido Jesus de Nazaré apologista da antropofagia?... O realismo e a crueza do texto joanino quererão sobrepor a interpretação literal à visão espiritualista, holística, da Eucaristia?...Explicará cabalmente este dilema a doutrina da Transubstanciação?...
3 – “Em verdade, em verdade vos digo: o pão de Deus é o que desce dos céus e dá  vida ao mundo. Eu sou esse pão dos céus” (Ibid.).
Isto disse o Mestre após ter saciado com pão material a fome a cerca de cinco mil pessoas. E acrescentou: “Eu sou o pão da vida. Quem crê em mim, nunca mais terá fome”.
Questão: Não terão os cristãos corrido o risco de entronizar o pão material, sobredoirando-o entre raios flamejantes e tronos dourados e, inconscientemente,  subalternizado a verdadeira essência da Vida?...
4 – “Jesus subiu ao monte e assentou-se ali com os seus discípulos. Havia muita relva naquele lugar, Jesus mandou que a multidão se assentasse em grupos”. (Ibid.) Tempos depois, na Última Ceia, juntou os Doze, assentou-se com eles à mesa (Mt.26, 19 e sgs.) e ali instituiu a Eucaristia.
Questão: na continuidade da questão anterior, não estaremos nós a forjar (ou a consentir) aparatosos protocolos palacianos (vestes, baixelas, pálios orientais,  incensos oníricos e destacadas entidades ornamentais)  com o risco sofisticar e talvez profanar aquele ambiente de íntima convivialidade e pura espiritualidade que Jesus optou para oferecer o pão da Vida e o vinho da Alegria salvífica ao povo que militantemente O seguia?..
.     São estas, entre muitas outras, as “dúvidas metódicas” que se nos afloram num dia em que, pese embora o carácter restritivo da pandemia, voltam à ribalta da publicidade em diversas capitais de distrito e regiões, a nossa inclusive, as comemorações do espírito magnânimo de Jesus de Nazaré em pretender ficar connosco, num Sacramento que Ele quis da mais sã proximidade e nunca de exibicionismo elitista, espectacular. O verdadeiro crente, enquanto destinatário da Eucaristia, tem todo o direito e todo o dever de tentar interpretá-la na mesma óptica do Seu Fundador. É o objectivo único destas modestas linhas.
11.Jun.20, Dia do “Corpus Christi”
Martins Júnior

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