Não
vou incomodar o repouso dos justos nem sequer remexer a terra ainda fresca e
sadia, onde o nosso Padre Tavares ensaia o “seu soninho primeiro”. Mas, do mesmo passo, não consigo remeter ao
silêncio da morte quem não teve outro pulsar nem outro sentir senão a Vida –
sempre viva, sempre jovem, sempre fértil, reprodutiva. Por isso, tentarei
exumar a sua memória, mantê-la acesa e fecunda para todos aqueles que,
inelutavelmente, continuam a marcha da vida, sem pensar (e bem!) que estão em
lista de espera para o ‘confinamento final’.
Foram imponentes as exéquias, participadas
pelo Prelado, muitos colegas presbíteros, autoridades, muito povo. Como
convinha ao protocolo solene, embora desadequado da singeleza e da
transparência do homenageado. Porque para ele – e demonstrou-o na indumentária
que escolheu na última viagem – o que importa é a essência e não a aparência, a
seiva mais que a casca, a nudez eloquente mais que os ouropéis vazios e
fugazes. No Padre Tavares, tudo era o elogio da verdade sem pregas, da natureza
aquímica, da pequeneza franca contra a opulência barroca e bacoca.
Sempre que olhava o Padre Tavares via
na sua fronte o título que Ernst Friedrich Schumacher deu ao livro que publicou
em 1973: Small is Beautiful. O título
e o conteúdo. Dou-lhe uma tradução mais telúrica – “Nada se mede aos palmos” -
precisamente para enaltecer o Homem e a Terra que ele incorporou em todo o seu
percurso. Figura frágil, meã, nascido na mais genuína ruralidade.
Igual a ele, a terra pequena, resguardada nas montanhas, esquecida do mundo,
apertada pela exiguidade de meios. Enfim, todos os arreios para ficar presa, anónima,
geneticamente condenada ao ‘confinamento perpétuo”, sem direito ao cartão de
cidadania.
É esta aldeia escassa e é este homem ‘pequeno’ que quero exaltar.
“Cantando espalharei por toda a parte”, quem me dera poder fazê-lo como o nosso
épico. Porque no mercado vilão das vaidades mundanas, só há palanque para os
polvos gigantes, para os lagartos garimpeiros, para os que, envergonhados da
terra onde nasceram, crescem à custa das altas cúpulas hospedeiras. Valorosos
são os que do sequeiro fizeram rico vergel e da pedra extraíram pão.
O Autor do Small is Beautiful traça as linhas programáticas para o futuro de
um planeta habitável, o nosso. Ao examiná-lo, descubro, um por um, a
personalidade criativa do Padre Tavares, o seu sonho sempre inacabado, mas já
plasmado na terra e nas pessoas que a habitam. Ei-las, sucintamente:
“A
ecologia e o combate à poluição, Respeito pelos recursos naturais,
Desenvolvimento rural, Ajuda eficaz (não apenas publicitária) aos países
pobres, Criação de pequenas e médias empresas que evitem a desumanização dos
trabalhadores, Educação como solução ideal”.
Outro
rumo não teve toda a vida do Padre Tavares. E se Ernt Schumacher o tivesse conhecido tê-lo-ia proposto ao mundo como o mais
eficiente intérprete do seu livro e como exemplar construtor do Mundo Novo que
urge recriar, sob pena da destruição do planeta.
Por isso e porque todos nós precisamos
de referenciais iluminantes nos meandros obscuros do quotidiano, dedicarei os
próximos escritos à Vida e Obra do lutador, pedagogo e arquitecto de um Mundo
Melhor, o Padre Mário Tavares Figueira.
09.jun.20
Martins Júnior
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Tenho a perceção que muita gente sem nome de palco lê estas profundas reflexões do Pe. Martins Júnior, sobre o que lhe escorre de mais familiar e de mais gritante na alma. Argumenta-las não é a praia de todos, porque exige um urdido trabalho critico à altura do nível intelectual, em que são na verdade estruturados estas reflexões. No entanto, lê-las, já é um ganho maior, e uma das formas de respirar ar puro e de construir pedra sobre perda, aquilo que somos e vamos oferecendo humildemente aos outros.
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