Paira
sempre um ar de cepticismo desimportado quando de Bruxelas sopram ventos e
aragens trazidas pelos nossos ‘embaixadores-parlamentares’. Sobretudo se a
árvore europeia abana os braços e deixa voar folhas de papel sonante rumo a
Portugal. Isto acontece porque o povo – a arraia miúda constituinte que os pôs lá – não acredita na eficácia dos
seus representantes nem muito menos espera ver dentro de casa um cêntimo
daqueles fabulosos biliões dos quais,
dizem-se eles, fiéis depositários e
portadores seguros.
Apesar disso, não pode ficar em branco
o que acaba de passar-se em Bruxelas. Acordo histórico, afirmação da Unidade
Europeia e salva-vidas do Velho Continente que corria o risco de afundar-se sem
esta tão sensacional quanto oportuna decisão! Chamem-lhe o que quiserem, o
saldo global dos quatro longos dias de
debate bem pode classificar-se como um regresso da Europa às suas fontes, à
matriz originária que lhe deu corpo e alma: um continente sustentável numa
comunidade solidária, tal como conceberam Jean Monet e todos os seus
fundadores.
Mais que o volume quantitativo desse
caudal financeiro, quer como subvenção quer como empréstimo, o que importa
relevar é a ‘nata’ qualitativa de que se reveste o presente Acordo. Ele culmina
toda uma série de tentativas falhadas aos cofres do BCE, eurobonds, protestos, troikas, aproximando-se agora, por
outros caminhos, das então almejadas metas. Assinalável o esforço do eixo franco-germânico.
Emmanuel Macron honrou a supremacia dos ideais humanistas - Liberté, Égalité, Fraternité - herdados
dos heróis refundadores da República Francesa, enquanto Angela Merkel, por sua
vez, procurou redimir a Alemanha de um passado sangrento ante-1945, aquele
mesmo que fez nascer a Europa para uma nova era de reconciliação e progresso
comum. Quanto aos restantes países e não obstante as divergências e reduções
orçamentais, merecem um voto de congratulação os ditos “contribuintes líquidos”
que aceitaram as restrições ao seu bem-estar financeiro para dar algum suporte
às frágeis economias dos povos vítimas da pandemia. Puseram a nu o egoísmo nacional-populista
do Brexit e seus fautores.
No entanto, toda esta vaga de optimismo
que justamente acabo de sobrelevar não nos fará cair naquela inconsciente
ingenuidade de pensar no ‘melhor dos mundos’, ou de que as decisões ora em
apreço brilham puras no céu azul da Solidariedade. Trazem também algumas nuvens.
Aqui também se aplica o conhecido provérbio: “Não há almoços grátis”.
Não demorarei nesta contra-análise para
não empanar o sucesso alcançado. Apenas quero propor a quem lê duas notas
fugazes mas intensivas: os países “contribuintes líquidos”, pensemos na
Alemanha, detêm as grandes indústrias
transformativas e os monopólios produtivos, sobretudo, na área tecnológica. Se,
porém, não houver a classe consumidora e se esta não dispuser de suficiente
poder de compra, de nada serve o arsenal técnico dos produtores. É o mercado e
as suas leis a colocarem a economia ao serviço do bem-estar global.
A segunda nota tem a ver com os
auto-cognominados “frugais”, poupados, organizados, que censuram os países do Sul,
a quem chamam de perdulários, gastadores, desorganizados. É sobejamente conhecido
o baldão atirado à cara dos portugueses pelo ex-presidente do Eurogrupo, o
holandês Jeroe Dijsselbloem. A Holanda,
porém, deveria penitenciar-se, direi mesmo, restituir aos portugueses por estar
a arrecadar os impostos que certas empresas, ‘Pingo Doce’ v.g., estão a pagar
lá, à custa dos consumidores de Portugal. Dizem os relatórios que “o paraíso
fiscal holandês cobra todos os anos dez
mil milhões de impostos sobre os lucros que são desviados dos restantes países
da EU”.
Saúda-se o Acordo, mormente nesta
encruzilhada crítica para os países do Sul. Ao mesmo tempo alerta-se com peso e
até veemência para que dos milhões e biliões europeus cheguem alguns cêntimos à
mesa dos seus verdadeiros destinatários, o Povo que trabalha e, seja qual a
profissão, faz com que o país volte à
normalidade. Que se não repita a cegueira pantanosa a que se assistiu
recentemente, por parte do governo regional, na distribuição de volumosas verbas a
associações desprovidas de quaisquer
credenciais para os efeitos directamente requeridos, mas tão-só por afrontoso despudor político-partidário, fazendo lembrar tempos tenebrosos de má
memória. É assunto a tratar noutra altura, mas como simples cidadão não posso
calar impunemente.
Por fim, Voto de Louvor, desta vez, ao
Directório Europeu, embora movido por esse flagelo comum, a pandemia. Não
obstante os dramas e as tragédias, teve a força tamanha de mexer o coração dos
homens e os alicerces da Europa! Hoje,
século XXI, o mundo-criança ainda precisa – Hélas!
- do ensino traumático, para acertar
o passo na História.
21.Jul.20
Martins
Júnior
Um comentário atípico, fora do âmbito daqueles que nos tem habituado nestes últimos tempos. Contudo, confesso, ser de uma visão bem arrojada e fundamentada sobre o colete de determinadas forças politicas em redor dos interesses económicos dos países do eixo franco-alemão. Caso para dizer que, a idade, é como um cálice de vinho maduro...
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