Um
fim-princípio de semana povoado de espécies invasoras, daninhas, infiltradas no
âmago da terra onde se semeou trigo bom, de qualidade primeira. Chamou-se “joio”
ao vírus estrutural que marca toda a história do homem sobre a terra. E o vírus
apresenta-se pelo nome próprio: o ‘Mal’!
“Um
inimigo meu tentou estragar-me os hectares de cereal que mandei plantar no meu
terreno” – assim falou o Mestre Nazareno às multidões para elucidá-las, em
parábolas, sobre a forma de lidar com as manifestações maléficas que apertam todos
os mortais. (Mt.13). Colossal e interminável este debate que
persegue intelectuais, crentes ou descrentes, teólogos, agnósticos, ateus,
cientistas, investigadores de todos os tempos! O que é o ‘Mal’, de onde provém,
quem o produz e quem o transmite?...
Não
será um mero blog o lugar suficiente para desbravar tamanha
floresta de enganos e desenganos, propostas e contra-propostas, hipóteses
muitas e sínteses poucas ou nenhumas. Fruto da experiência pessoal e da
observação empírica, limito-me a reproduzir duas ‘descobertas’ levadas a efeito
pela mentalidade popular (infelizmente exploradas até ao tutano por quem devia esclarecer
em vez de iludir as populações), as quais passo a descrever.
Primeiro:
a tendência - mais espalhada que o joio – de atribuir o ‘Mal’ a forças
estranhas, ao diabo e, nalguns casos, ao próprio Deus. Gerações sobre gerações,
desde o Velho Testamento, foram manietadas no seu pensamento e forçadas a
adorar um IAHVEH justiceiro e vingativo, sanguinário, (Cfr. Salmo 136/137). Por inércia mental ou pelo gosto de ser
enganados, os crentes e respectivos mestres-demagogos preferiam endossar à
divindade as causas que radicam no mundo e nos seus próprios inquilinos.
Fenómenos atmosféricos adversos, maleitas, insucessos, desgraças, mortes “isso
é lá com Deus Nosso Senhor”… E quanto à solução, “o melhor remédio é rezar”…
De
há muito tempo, partilho a convicção de que há certas formas de oração que,
apesar da fé emocional de quem ora, não são mais que afrontas ao próprio Deus.
Uma delas é a chamada “Oração dos Fiéis”, escrupulosamente recitada nas liturgias
eucarísticas. Devo confessar que sempre me recusei a dizer determinadas blasfémias
nela inclusas. E qual não foi o meu espanto quando abro o aprofundado estudo do
grande teólogo Padre Prof. Doutor Andrés Torres Queiruga, intitulado “REPENSAR
O MAL” e encontro uma extraordinária (mas evidente!) conclusão:
“Não será abusivo
considerar que é religiosamente óbvio que certas súplicas e petições a Deus carecem
de sentido e podem redundar num enorme
dano para a fé… Um exemplo que gosto sempre de dar para esclarecimento geral é
o seguinte: Todos os domingos na Oração dos Fiéis e dentro da liturgia oficial
da Igreja, milhões de crentes repetem em
coro orações parecidas com esta: ‘Para que as crianças em África não morram de
fome, Ouvi-nos Senhor, tem dó e compaixão dessas inocentes crianças’. Sem negar
a boa vontade subjectiva de tais orações, a verdade é que no seu sentido
objectivo elas implicam uma imagem horrivelmente pervertida de Deus”.
E
o eminente teólogo Torres Queiruga conclui com esta lapidar evidência:
“Na mais elementar
lógica é evidente que essa oração, de duas uma: ou não significa nada –
portanto carece de sentido – ou então significa que se as crianças africanas
continuarem a morrer de fome é porque Deus não quis escutar o pedido nem teve
dó delas”! ( Obra cit, pág. 409-410).
A
mensagem deste fim-princípio de semana também é clara e transparente. E exigente:
Para extirpar o ‘Mal’ é preciso combatê-lo no próprio meio ambiental, no “local
do crime”, à porta dos responsáveis das nações e frente aos sanguessugas do
povo, ditadores-donos dos paióis da guerra. Não é à porta de Deus, que nunca
foi nem será autor das fomes e das guerras. O actual momento
da pandemia deveria abrir-nos os olhos da razão e só depois os olhos da fé, ou
seja, a nossa parte, somos nós que devemos
fazê-la. Porque Deus - o Deus verdadeiro! - não faz nem deve fazê-la por nós!
19.Jul.20
Martins Júnior
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