Cheguei
em 2 de Julho, porque viajei na nau “São Lourenço”, moço de bordo, às ordens de
Tristão e Zargo. Parece que no Funchal, os da ‘bombota’, armados de libré e
castão, terão ido de ovni
independentista e, por isso, terão chegado de véspera, no 1º do mês… Debalde, porém.
Entrámos
na larga baía que nos recebeu, braços abertos, como uma mãe que espera um filho
migrante dos mares. E foi Gomes Eanes de Azurara quem melhor descreveu a espontânea
apoteose dessa manhã de domingo, “da Visitação Santa Isabel”. Dois franciscanos
deram graças na orla calma das águas gémeas da riba-mar, ali onde mais tarde se
havia de fazer a capela. Era o sol das matinas misturado às laudes canoras das aves virgens abrindo
alas até à sepultura dos dois amantes que, nessa hora, mais pareciam nubentes
redivivos, saídos do seio da Mãe-Terra.
O
verde vale – oh terna e majestosa ara! - de Machim, o jovem bretão, herdara o sonho e a
aventura. E do Machiquo, o velho lobo-do-mar
da tripulação da “São Lourenço”, o povo ficara com a resistência inquebrável
perante quem ousasse cortar-lhe as asas ou retaliar as inatas “ânsias de subir,
cobiças de transpor”. Marcou lugar e padrão, sem esmagar ninguém. Fez-se
artista, lavrador, poeta e cavaleiro. Adoçou, da cana fina. os amargos de boca
de vizinhos e de longínquos povos. E, chegada a alvorada de 8 de Maio de 1440,
foi Sua Alteza o Infante Dom Henrique que, lá do alto do promontório de Sagres, emanou a
faustosa Magna Carta da Outorga da Capitania de Machico a Tristão Vaz Teixeira,
como Primeiro Capitão Donatário da Ilha. Os que se tinham adiantado de ovni no Funchal, esperaram mais dez anos
para alcançar tal comenda régia.
Assim,
primeiro caminhante, Machico ergueu bandeira e tangeu, mais por res que
por verba, o hino da sua Autonomia. E
soube defendê-la quando intrusos prepotentes, quer na monarquia, quer na
república, quer mesmo na cristandade, pretenderam cercear as liberdades, direitos
e garantias das sua gentes. Francisco Álvares de Nóbrega, sonetista ombreando
com Camões e Bocage, ilustra eloquentemente a resistência, o vigor e o talento
de Machico. Quando chegarem às nossas mãos os Anais da Antiga e Leal Vila de
Machiquo tocaremos directamente a verticalidade do Povo a que pertencemos.
Autonomia
e 600 Anos! Tanto se falou e nem cinza ficou. E não foi só a pandemia o
cinzeiro de tanta fumaça. Foi a inércia e foi, sobretudo, o despudor dos que se
aproveitaram de Machico, espumando Autonomia na boca e ganância saloia nas
mãos, só para pavonear o canhão e a libré que disfarçavam os ‘bombotes
da mergulhança’, dita neo-urbana.
Não
são de longe, ou de muito longe, as
arremetidas grosseiras e grotescas contra Machico e o seu Povo. Mas continuaremos
a honrar a memória do sonhador jovem bretão
e do aguerrido e justo velho lobo-do-mar da nau “São Lourenço”. Porque Autonomia – a única saudável e que se
recomenda – é acção, trabalho, poesia, resiliência, justiça e paz.
É
isto Machico! Tudo isto somos nós – e “os que vierem por bem”!
Desde
o soalheiro 2 de Julho de 1419. E até sempre!
2/3.Jul.20
Martins Júnior
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