quarta-feira, 23 de setembro de 2020

HOJE COMO ONTEM, É PRECISO…

                                                                       


Quando o dia sombrio anunciava o agonizar do Verão, caíram-me nas mãos, não as folhas amarelecidas de um Outono breve, mas as chamas quentes de um sol nascente que ostentava a bandeira necessária aos tempos que correm: “VENCER O MEDO”-

         Num primeiro olhar, julgar-se-ia uma ordem de combate ao Covid cutâneo que persegue o planeta. Não. O medo era outro. Invisível, subterrâneo, férreo, tenebroso! Medo de falar, medo de olhar, medo de sair a rua. Porque, ao primeiro passo, os encobertos gorilas do regime arrastavam inelutavelmente as vítimas para as masmorras de Caxias, Peniche, Tarrafal.          Definiu-as bem Alexandre O’Neill:

         Rebanho pelo medo perseguidos

         Já vivemos tão juntos e tão sós

         Que da vida perdemos o sentido.

 

         Tempos horríveis os da ditadura em Portugal. Com medo de trair a sua luta e a dos seus companheiros anti-fascistas, é Jaime Cortesão quem descreve a coragem de outro Jaime, de sobrenome Rebelo, preso em Caxias:

         Já tinha o corpo a sangrar

         Já tinha os membros torcidos

         E os tormentos a apertar,

         Louco de dor a arquejar

         Juntou as últimas forças

         Para não ter de falar

         “Antes que fale, emudeça”,

Pôs-se a gritar com voz rouca

E cerce, de uma dentada,

Cortou a língua na boca.

 

Estes e outros testemunhos, de transir de pavor, traz-nos Edgar Silva, o resistente indefectível da democracia na Madeira e em todo o território português, no seu novo livro, hoje lançado na sede da UMa, com a presença de outros tantos que, como ele, têm lutado pelos ideais libertadores nesta Região.

VENCER O MEDO é um comovente, mas consistente, repositório de factos, pessoas – gente como nós! – que construíram a alvorada de Abril, com especial referência à “Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos”, constituída por personalidades de várias orientações ideológicas, políticas, culturais e religiosas, com o objectivo de socorrer os presos políticos e suas famílias sem acepção de pessoas. Assim escreve Frei Bento Domingues, teólogo de fino quilate, defensor dos direitos humanos em ‘tempos de servidão’. E acrescenta no seu excelente prefácio:

“Esta é uma obra que faltava. Novo e interessante trabalho de enquadramento, enquanto movimento social, que exige uma ampla discussão sobre a CNSPP. É a fidelidade à memória, ao presente e ao futuro que o exige”.

A Madeira e o País agradecem a Edgar Silva mais este prestimoso contributo à causa pública, porque, hoje e sempre, também é preciso VENCER O MEDO contra as ditaduras assolapadas  que, como o Covid, espreitam-nos,  quais répteis  invisíveis nas esquinas do itinerário sócio-político de cada cidadão.

 

23.Set.20

Martins Júnior  

Sem comentários:

Enviar um comentário