Quando
o dia sombrio anunciava o agonizar do Verão, caíram-me nas mãos, não as folhas
amarelecidas de um Outono breve, mas as chamas quentes de um sol nascente que
ostentava a bandeira necessária aos tempos que correm: “VENCER O MEDO”-
Num primeiro olhar, julgar-se-ia uma
ordem de combate ao Covid cutâneo que persegue o planeta. Não. O medo era
outro. Invisível, subterrâneo, férreo, tenebroso! Medo de falar, medo de olhar,
medo de sair a rua. Porque, ao primeiro passo, os encobertos gorilas do regime
arrastavam inelutavelmente as vítimas para as masmorras de Caxias, Peniche,
Tarrafal. Definiu-as bem
Alexandre O’Neill:
Rebanho
pelo medo perseguidos
Já
vivemos tão juntos e tão sós
Que
da vida perdemos o sentido.
Tempos
horríveis os da ditadura em Portugal. Com medo de trair a sua luta e a dos seus
companheiros anti-fascistas, é Jaime Cortesão quem descreve a coragem de outro
Jaime, de sobrenome Rebelo, preso em Caxias:
Já
tinha o corpo a sangrar
Já
tinha os membros torcidos
E
os tormentos a apertar,
Louco
de dor a arquejar
Juntou
as últimas forças
Para
não ter de falar
“Antes
que fale, emudeça”,
Pôs-se a gritar com voz
rouca
E cerce, de uma dentada,
Cortou a língua na boca.
Estes
e outros testemunhos, de transir de pavor, traz-nos Edgar Silva, o resistente
indefectível da democracia na Madeira e em todo o território português, no seu
novo livro, hoje lançado na sede da UMa, com a presença de outros tantos que,
como ele, têm lutado pelos ideais libertadores nesta Região.
VENCER
O MEDO é um comovente, mas consistente, repositório de factos, pessoas – gente como
nós! – que construíram a alvorada de Abril, com especial referência à “Comissão
Nacional de Socorro aos Presos Políticos”, constituída por personalidades de
várias orientações ideológicas, políticas, culturais e religiosas, com o
objectivo de socorrer os presos políticos e suas famílias sem acepção de
pessoas. Assim escreve Frei Bento Domingues, teólogo de fino quilate, defensor
dos direitos humanos em ‘tempos de servidão’. E acrescenta no seu excelente
prefácio:
“Esta
é uma obra que faltava. Novo e interessante trabalho de enquadramento, enquanto
movimento social, que exige uma ampla discussão sobre a CNSPP. É a fidelidade à
memória, ao presente e ao futuro que o exige”.
A
Madeira e o País agradecem a Edgar Silva mais este prestimoso contributo à
causa pública, porque, hoje e sempre, também é preciso VENCER O MEDO contra as ditaduras assolapadas que, como
o Covid, espreitam-nos, quais répteis invisíveis nas esquinas do itinerário sócio-político
de cada cidadão.
23.Set.20
Martins Júnior
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