Uma
vaga de esperança, mesmo que não passe de ilusória, invadiu a atmosfera
desafiando o fantasma - oxalá seja só
fantasma – da ameaçadora segunda vaga do Covid, que em vez de catalogar-se de ‘19’
subirá um furo e passará a ‘Covid/20’. Refiro-me à reabertura das escolas, com
a revoada de crianças e adolescentes que encherão de esperança e ventilação
saudável o ambiente carregado em que vivemos.
Mas há sempre um avejão quase sinistro
a infiltrar-se no meio da sala de aula. É o “alma-negra” da desconfiança, do
medo, da híper-escrupulose que põe toda a turma em estado de transe. Chamo-lhe “alma-negra”
associando-o ao pássaro das nossas Ilhas Desertas, cuja cor e cujo voo à
queima-roupa desestabilizam o visitante incauto.
Ora
o dito bichinho voador apareceu por aí num denominado “Manifesto” de 100 asas,
100 (ou 200) mãozinhas angélicas, acetinadas,
tutelares. Assinaram um protesto contra um programa chamado “Cidadania”. Foram
mais além e tomaram a forma daquele mítico réptil do paraíso edénico e
amotinaram pais e filhos com este tremendo ameaço: “Não toquem nessa árvore,
porque se a tocardes, ficareis sábios, esclarecidos, sabereis destrinçar o que
é Bem e o que é Mal”!
Já muito se tem escrito sobre o dito ”Manifesto”.
De modo que vou ater-me apenas a dois marcos essenciais, qual deles o mais
determinante.
Primeiro. O programa escolar titulado
de ‘Cidadania é aquele do qual nenhum aluno, nenhum homem, nenhuma mulher podem
prescindir. Ousarei mesmo afirmar que ‘Cidadania’, numa escala de valores
essenciais, está antes da alfabetização,
da especialização, de toda a gama de títulos académicos. ‘Cidadania” é a
cadeira maior de todos os cursos. Precisamente porque ela ensina a circular nas
grandes vias ou nos estreitos atalhos da vida. Ela é o ‘GPS’ de todo o “homem-em-situação”,
de todo o migrante do planeta. Sem ela, seremos sempre uns desadaptados da
sociedade, irremediavelmente infectados da terrível doença da anomia, como a classificou o eminente
sociólogo Émile Durkheim, a qual patologia que desemboca, não raras vezes, no
suicídio.
A
área de ‘Cidadania’ integra a
verdadeira Universitas de saberes,
tanto o metafísico como o científico e o experimental. Ela consubstancia a
autêntica Universidade, no seu sentido mais profundo e abrangente. Ensina o
jovem (toda pessoa, mas sobretudo o jovem imaturo) a posicionar-se perante a
encruzilhada de valores e desvalores com que ele inelutavelmente terá de confrontar-se
na babilónia dos dias, durante todos os anos que durar a sua trajectória existencial. Sem a Cidadania’, teremos bons
especialistas, sumidades sectoriais, peritos imbatíveis, cada qual em seu saber particular e no segmento singularíssimo
da sua profissão. Teremos géníos talvez
Prémios Nobel, astronautas, etc.. Em síntese: teremos robots infalíveis, mas não teremos CIDADÂOS! Já os antigos, na
civilização greco-romana, consideravam o Trivium
e o Quadrivium como
a “porta de entrada” para o ensino superior.
O segundo marco desta breve abordagem
estaciona diante do expoente máximo da hierarquia religiosa portuguesa, com
sede em Lisboa. Também untou, com óleo cardinalício entre os dedos, o dito
panfleto Anti-Cidadania. Aqui, por pruridos de odor sexual. Como se falar de ‘Cidadania’
fosse só falar de sexo… Convém
esclarecer que a sua assinatura não vincula os bispos de Portugal. Porque o tal
Manifesto não foi à mesa da CEP, Conferência Episcopal Portuguesa, presidida
pelo nosso conterrâneo, o bispo José de Ornelas, o qual (do quanto lhe conheço)
nunca cairia numa tão escrupulosa quanto ridícula ingenuidade. De qualquer
jeito que se lhe pegue, sempre sugeriria ao signatário purpurado lisbonense que
lesse o seu homónimo, Clemente de Alexandria, o prestigiado e sábio bispo do
século II (há 1800 anos!) que sem
traumas e desassombradamente ensinava os seus diocesanos nestes termos: “Porque
é que havemos de ter vergonha de falar naquilo que Deus não teve vergonha de
criar?”.
Peço a quem me acompanha neste diálogo
digital que complete o muito que eu desejaria desenvolver nesta tentativa
pedagógica, sobretudo no que se refere à educação da adolescência e da
juventude que se vêem sem defesa perante os emaranhados tempos que correm.
E acima de tudo, a CIDADANIA!!!
09.Set.20
Martins
Júnior
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