quarta-feira, 7 de outubro de 2020

“NADA É MILAGRE E TUDO É MILAGRE”!

                                                                     


Há-os para todos os gostos. Vestem-se de furta-cores mil e muitos mais. Pulam como esguichos de água aqui, acolá, lá  longe e mais além. E se os não houver, inventam-se, simulam-se, com maior ou menor verosimilhança.

Local das aparições: onde quer que o homem queira. Para uns e quase sempre, nos corredores de um hospital, num acidente imprevisível, furacões em alto-mar. Para outros, muito mais perto: num concurso público, num  exame de condução, numa prova de academia e, pasme-se, até naquelas miraculosas  chuteiras que enfiaram, in extremis, o tiro magnético nas redes do rival adversário. O meio ecológico, porém,  oficialmente  reservado ao milagre é o chão sagrado, a ara benta e o seu patrono, seja o Senhor dos Milagres (por ex. em Machico), o da Ponta Delgada, ou a Senhora dos Milagres (em  Bragança), ou ainda o Santo Taumaturgo do seu torrão natal. Há também quem prefira acender a vela na banca do bruxo ou no terro da ‘macumba’.

         Em sentido lato, pode aplicar-se a velha perífrase: Há milagre sempre que o homem quer.  Porque, de seu étimo latino, milagre é tudo quanto nos provoca admiração, espanto, algo de extraordinário. O “Dicionário Teológico Enciclopédico” começa pela thaumasion,, aquilo que expressa provocação e assombro; e parádoxon, quando acentua a dimensão de surpresa inesperada pelo sucesso alcançado. (pag. 634).

         No mesmo sentido, o grande teólogo Andrès Torres Queiruga, em Repensar o Mal, define e esclarece cabalmente que “Nada é milagre e tudo é milagre” (pag.396). Eloquente expressão que nos levaria muito longe, na interpretação da natureza e do real quotidiano! Por isso, Queiruga adere logicamente ao pensamento de vários e abalizados investigadores que, na esteira de Barry L. Whitney, concluem: “Esperar que Deus intervenha violando as leis que  o mesmo Deus criou, implicaria concluir que Deus não foi capaz de criar leis adequadas desde o princípio”. (Ibid.). Com maior acutilância, sugere o eminente jesuíta Teilhard  de Chardin que “é preciso ir além do Deus da Criação  e crer intensamente no Deus da Evolução”.

         Não era meu propósito entrar tão fundo nos labirintos de tão discutível problema. Tão só, o que me traz hoje é uma espécie de introdução ou primeiro e genérico olhar sobre as profundezas do nosso subconsciente face àquilo que cada indivíduo interpreta ou sente como milagre. “Nada é milagre e tudo é milagre”, repito Torres Queiruga. Os “milagres” não se medem aos palmos, nem pelo tamanho da cera ardida, nem pela execrável exposição publicitária do eventual  auto-suposto ‘milagrado’. Há fenómenos embutidos no mais íntimo de nós mesmos, que talvez nunca ninguém os há-de imaginar,  mas que nos transcendem a psique e transfiguram todo o nosso ser.

         Não me move nem comove o espectáculo  dos velórios ambulantes, sobretudo quando pretendem rivalizar com cenas mirabolantes de teatro de rua.

Porque, como no tempo e na práxis do Nazareno, verdadeiro Milagre está em nós, “Foi a tua fé que te salvou”!

 

         07.Out.20

         Martins Júnior

        

 

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