Há-os
para todos os gostos. Vestem-se de furta-cores mil e muitos mais. Pulam como
esguichos de água aqui, acolá, lá  longe
e mais além. E se os não houver, inventam-se, simulam-se, com maior ou menor
verosimilhança. 
Local
das aparições: onde quer que o homem queira. Para uns e quase sempre, nos
corredores de um hospital, num acidente imprevisível, furacões em alto-mar.
Para outros, muito mais perto: num concurso público, num  exame de condução, numa prova de academia e,
pasme-se, até naquelas miraculosas  chuteiras que enfiaram, in extremis, o tiro magnético nas redes do rival adversário. O meio
ecológico, porém,  oficialmente  reservado ao milagre é o chão sagrado, a ara
benta e o seu patrono, seja o Senhor dos Milagres (por ex. em Machico), o da
Ponta Delgada, ou a Senhora dos Milagres (em 
Bragança), ou ainda o Santo Taumaturgo do seu torrão natal. Há também
quem prefira acender a vela na banca do bruxo ou no terro da ‘macumba’.
         Em sentido lato, pode aplicar-se a
velha perífrase: Há milagre sempre que o homem quer.  Porque, de seu étimo
latino, milagre é tudo quanto nos provoca admiração, espanto, algo de
extraordinário. O “Dicionário Teológico Enciclopédico” começa pela thaumasion,, aquilo que expressa
provocação e assombro; e parádoxon, quando
acentua a dimensão de surpresa inesperada pelo sucesso alcançado. (pag. 634).
         No mesmo sentido, o grande teólogo
Andrès Torres Queiruga, em Repensar o
Mal, define e esclarece cabalmente que “Nada é milagre e tudo é milagre” (pag.396). Eloquente expressão que nos
levaria muito longe, na interpretação da natureza e do real quotidiano! Por
isso, Queiruga adere logicamente ao pensamento de vários e abalizados
investigadores que, na esteira de Barry L. Whitney, concluem: “Esperar que Deus
intervenha violando as leis que  o mesmo Deus
criou, implicaria concluir que Deus não foi capaz de criar leis adequadas desde
o princípio”. (Ibid.). Com maior
acutilância, sugere o eminente jesuíta Teilhard 
de Chardin que “é preciso ir além do Deus
da Criação  e crer intensamente no Deus da Evolução”.
         Não
era meu propósito entrar tão fundo nos labirintos de tão discutível problema.
Tão só, o que me traz hoje é uma espécie de introdução ou primeiro e genérico
olhar sobre as profundezas do nosso subconsciente face àquilo que cada
indivíduo interpreta ou sente como milagre. “Nada é milagre e tudo é milagre”,
repito Torres Queiruga. Os “milagres” não se medem aos palmos, nem pelo tamanho
da cera ardida, nem pela execrável exposição publicitária do eventual  auto-suposto ‘milagrado’. Há fenómenos
embutidos no mais íntimo de nós mesmos, que talvez nunca ninguém os há-de
imaginar,  mas que nos transcendem a
psique e transfiguram todo o nosso ser.
         Não me move nem comove o espectáculo  dos velórios ambulantes, sobretudo quando
pretendem rivalizar com cenas mirabolantes de teatro de rua. 
Porque,
como no tempo e na práxis do Nazareno, verdadeiro Milagre está em nós, “Foi a tua fé que te salvou”!
         07.Out.20
         Martins
Júnior 
         

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