Em
tempo de orçamentos e para descomprimir da neurose da pandemia, imaginarão os
meus companheiros-de-estrada bloguista que hoje vou mergulhar no mar dos
sargaços contabilísticos dos IRS’s, dos IRC’s, das reduções e deduções à
colecta. Mas não. Embora assista ao cidadão comum o direito de entrar na liça
deste “Deve & Haver” da Contabilidade Pública (porque, ao fim e ao cabo,
somos nós, cidadãos, utentes e destinatários, senão mesmo vítimas do caso),
hoje, fim-de-semana, compro sempre preferencialmente o ingresso no grande estádio
onde entra a jogo a Personagem que, sendo tão sobejamente divulgada, continua a
ser a mais desconhecida da história.
Por coincidência, nas regras do jogo
entra também a intrincada penalização chamada “imposto”. Não em numerários, mas
em isco ou armadilha para caçar o adversário. A tanto chega o cinismo estratégico
do código sucial (sucial, não me enganei), tanta a náusea que atinge a
congestão de vermes alojados nos antros da súcia humana.
Em todo o tempo, os normativos legais
referentes às contribuições e impostos imperam, soberanamente, coercivamente
sobre os súbditos do Estado, mormente nas ditaduras, pelo que sempre caíram sob
a alçada de crimes lesa-pátria os movimentos ou insinuações tendentes ao seu incumprimento,
severamente punidos por lei. As sanções tornavam-se mais pesadas em territórios
colonizados.
Ora, é neste preciso cenário que se
passa o episódio ocorrido há mais de dois mil anos e ainda hoje, fim-de-semana,
publicado em todo o mundo crente. Entra o imposto, a moeda, entram os
impostores e o adversário a abater.
O jovem condutor de multidões,
considerado perigoso agitador público pelos detentores do poder
político-religioso da época, mantinha uma conduta proporcionalmente inversa
para com dois extratos sociais vigentes: tão grande e generoso com os fracos e
explorados quanto fogoso e implacável com os poderosos do Templo de Jerusalém.
Quem, nestas páginas, tem seguido a
trajectória dos sábados e domingos anteriores, concluiu da resistência e da
luminosidade argumentativa do Nazareno contra os sumos-sacerdotes, os fariseus,
os anciãos-juízes do povo. Saíam sempre derrotados, ressabiados, furiosos por
liquidá-Lo, fosse onde fosse. Mas entre eles e o Mestre havia uma muralha inultrapassável: o
Povo. Urgente, por isso, era mudar de tática. A astúcia, a armadilha. Vem em
Mateus, cap.22, 15-21.:
“Reuniram-se em conselho para deliberar
como comprometer Jesus naquilo que dissesse” – a técnica pidesca, o requinte
exploratório do futuro “Tribunal do Santo Ofício”, “Rota Romana”. Genial, terão
dito alvoroçados quando surgiu a proposta: ”Perguntar-lhe se é lícito ou se
concorda que o povo pague impostos ao César da Roma Imperial”. Dito e feito.
Imagino o orgasmo satânico (passe a expressão) daqueles Rabi’s e Doutores da
Lei, ao vê-Lo, irremediavelmente entre a forca e o abismo: “Se ele disser ‘Sim’,
teremos contra ele o povo pobre e colonizado, ele perderá toda a base de apoio.
Se disser ‘Não’, é logo condenado judicialmente em processo sumaríssimo, preso
e deportado por lei imperial”.
Suprema lógica da Vida, fulminante
acutilância argumentativa a do Nazareno: “De quem é essa efígie, sim essa cara que
tendes nas moedas?” – pergunta o Mestre com sereno equilíbrio. “É de César” –
respondem depressa. “Então dai a César o que é de César. E dai a Deus o que é
de Deus”. Em termos oficiais, a resposta de Jesus consubstancia-se no
protocolar “Aos costumes disse nada”.
Diz
o texto que eles ficaram perplexos, atónitos, sem resposta. E retiraram-se. Era
preciso reunir de novo o Conselho e procurar outra inventona. Mais capciosa,
mais armadilhada. Essa virá no próximo fim-de-semana. Porque, desta vez, o
génio do ‘imposto’ saiu deposto! E depostos os impostores!
Interminável a luta do nosso Mestre
contra a ditadura corrupta do Templo de Jerusalém, contra o aparelho judiciário
ao serviço das classes dominantes, contra o império dos demagogos destruidores
da dignidade dos povos!
Não te canses, Francisco Papa.
Continua, até que a voz te doa.
17.Out.20
Martins
Júnior
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