sábado, 17 de outubro de 2020

A ARMADILHA DOS IMPOSTOS NA MÃO DOS IMPOSTORES

        


         Em tempo de orçamentos e para descomprimir da neurose da pandemia, imaginarão os meus companheiros-de-estrada bloguista que hoje vou mergulhar no mar dos sargaços contabilísticos dos IRS’s, dos IRC’s, das reduções e deduções à colecta. Mas não. Embora assista ao cidadão comum o direito de entrar na liça deste “Deve & Haver” da Contabilidade Pública (porque, ao fim e ao cabo, somos nós, cidadãos, utentes e destinatários, senão mesmo vítimas do caso), hoje, fim-de-semana, compro sempre  preferencialmente o ingresso no grande estádio onde entra a jogo a Personagem que, sendo tão sobejamente divulgada, continua a ser a mais desconhecida da história.

         Por coincidência, nas regras do jogo entra também a intrincada penalização chamada “imposto”. Não em numerários, mas em isco ou armadilha para caçar o adversário. A tanto chega o cinismo estratégico do código sucial (sucial, não me enganei), tanta a náusea que atinge a congestão de vermes alojados nos antros da súcia humana.

         Em todo o tempo, os normativos legais referentes às contribuições e impostos imperam, soberanamente, coercivamente sobre os súbditos do Estado, mormente nas ditaduras, pelo que sempre caíram sob a alçada de crimes lesa-pátria os movimentos ou insinuações tendentes ao seu incumprimento, severamente punidos por lei. As sanções tornavam-se mais pesadas em territórios colonizados.

         Ora, é neste preciso cenário que se passa o episódio ocorrido há mais de dois mil anos e ainda hoje, fim-de-semana, publicado em todo o mundo crente. Entra o imposto, a moeda, entram os impostores e o adversário a abater.

         O jovem condutor de multidões, considerado perigoso agitador público pelos detentores do poder político-religioso da época, mantinha uma conduta proporcionalmente inversa para com dois extratos sociais vigentes: tão grande e generoso com os fracos e explorados quanto fogoso e implacável com os poderosos do Templo de Jerusalém. Quem, nestas páginas,  tem seguido a trajectória dos sábados e domingos anteriores, concluiu da resistência e da luminosidade argumentativa do Nazareno contra os sumos-sacerdotes, os fariseus, os anciãos-juízes do povo. Saíam sempre derrotados, ressabiados, furiosos por liquidá-Lo, fosse onde fosse. Mas entre eles e o  Mestre havia uma muralha inultrapassável: o Povo. Urgente, por isso, era mudar de tática. A astúcia, a armadilha. Vem em Mateus, cap.22, 15-21.:

         “Reuniram-se em conselho para deliberar como comprometer Jesus naquilo que dissesse” – a técnica pidesca, o requinte exploratório do futuro “Tribunal do Santo Ofício”, “Rota Romana”. Genial, terão dito alvoroçados quando surgiu a proposta: ”Perguntar-lhe se é lícito ou se concorda que o povo pague impostos ao César da Roma Imperial”. Dito e feito. Imagino o orgasmo satânico (passe a expressão) daqueles Rabi’s e Doutores da Lei, ao vê-Lo, irremediavelmente entre a forca e o abismo: “Se ele disser ‘Sim’, teremos contra ele o povo pobre e colonizado, ele perderá toda a base de apoio. Se disser ‘Não’, é logo condenado judicialmente em processo sumaríssimo, preso e deportado por lei imperial”.     

         Suprema lógica da Vida, fulminante acutilância argumentativa a do Nazareno:  “De quem é essa efígie, sim essa cara que tendes nas moedas?” – pergunta o Mestre com sereno equilíbrio. “É de César” – respondem depressa. “Então dai a César o que é de César. E dai a Deus o que é de Deus”. Em termos oficiais, a resposta de Jesus consubstancia-se no protocolar “Aos costumes disse nada”.

Diz o texto que eles ficaram perplexos, atónitos, sem resposta. E retiraram-se. Era preciso reunir de novo o Conselho e procurar outra inventona. Mais capciosa, mais armadilhada. Essa virá no próximo fim-de-semana. Porque, desta vez, o génio do ‘imposto’ saiu deposto! E depostos os impostores!

         Interminável a luta do nosso Mestre contra a ditadura corrupta do Templo de Jerusalém, contra o aparelho judiciário ao serviço das classes dominantes, contra o império dos demagogos destruidores da dignidade dos povos!

         Não te canses, Francisco Papa. Continua, até que a voz te doa.

 

         17.Out.20

         Martins Júnior

 

 

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