quinta-feira, 15 de outubro de 2020

ORÇAMENTOS E OÇAMENTOS: UM GUIÃO PARA OS TEMPOS DE “COVID”

                                                                     


Não retiro uma letra nem muito menos me arrependo de ter inscrito  o “Covid” no receituário dos antídotos mais eficazes contra a miopia global e, sobretudo,  contra a cegueira institucionalizada. ‘Sua Exª Covid’  apresenta-se com o rótulo de “O melhor ventilador da sociedade”.

E sai reforçada esta nomenclatura, particularmente na estação orçamental. É neste cabo tormentoso que governos – do maior ao mais pequeno – se afadigam, mexem, remexem,  furam e perfuram, até queimar os neurónios, para apresentar a prova de fogo do seu exercício: o Orçamento.  Porque é nessa delicada passagem de nível que se identifica a matriz de um regime. E não só: é aí que os seus titulares alcançam o pódio ou, em alternativa, caem irremediavelmente ao rio.

O Orçamento reflecte a desejável interacção entre governantes e governados. Assim deveria sê-lo, no princípio, no meio e no fim da sua elaboração e da sua concretização. A um povo pequeno, autómato seguidista, dá-se um orçamento magro e desajeitado, como um fato à medida. A um Povo esclarecido e vigilante, os lideres terão de esforçar os músculos, abrir os cordões e esticar os dedos para entregar-lhe credenciais de um plano ajustado à sua dimensão. É aqui que toma posse o velho aforismo: “Cada povo tem o governo que merece”. Assim fosse!

E é também nesta conjuntura que se dividem as águas: investir nas pessoas ou investir fora delas. Em ‘fora delas’ inclui-se aquele furor febril do betão ciclópico, do alcatrão, do pavilhão, do turbo-poluição, da máquina e, por todos, do robô. Poderá ser monumental, espectacular, estrondoso, ainda que desadequado aos destinatários, descartável no terreno e obsoleto no tempo. O que importa é que resulte em pândega fina e pandemónio arraialesco, sobretudo em vésperas de novo parto eleitoral.  

Do outro lado, está o investimento nas pessoas. É esta a pedra de toque que define outro povo inteligente e outra geração de governantes. Não terei necessidade de abrir a quem me lê o extenso e rico álbum da família humana (à qual pertencemos) para monitorizar os capítulos e as rubricas de um orçamento em cuja centralidade impere a Pessoa: a cultura do pão e o pão da cultura, a saúde, o ambiente, a sociabilidade e a vizinhança, o “outro” em vez do “eu”, a liberdade, a fraternidade, a segurança. É muito mais alto o Ser que o mais estratosférico mausoléu do Ter.

É certo que tudo em convertível em moeda sonante. Certo que tudo é dinheiro e pão. Mais dinheiro que pão: o betão dá pão, o alcatrão dá trigo, o fumo poluidor dá massa, o mar também dá a carne e a terra dá o peixe. E até da cinza do caixão sai a refeição, de mesa e toalha lavada. De tudo precisa o inquilino que habita o planeta 

Mas a Pessoa é mais que o seu acidente, maior que o seu acessório.  É conhecido o sábio axioma, formulado na pergunta: “Quantos pobres são necessários para fazer um rico?”. E ouso eu perguntar: “Quantas pessoas, quantas vidas são sacrificadas só para satisfazer delírios megalómanos de governantes sem escrúpulo, obcecados por se perpetuarem no poder e sustentarem catervas de apaniguados subservientes?”.  Por desdita nossa, vivemos num laboratório de “velhas glórias, cujo indomável verve político consistia em fazer do povo ilhéu uma manada acéfala atrás de um monumental (?) betão inaugural.

E se tudo quanto trago escrito traz a marca da universalidade e da intemporalidade, aplicável a todos os regimes e a todos os lugares, ganha maior actualidade nos tempos que correm. O ventilador “Covid” aí está para higienizar as mentes e as altas instâncias, ‘convidando-as’ (direi, obrigando-as) a olhar para as pessoas. Quem sabe se não estaremos hoje a pagar a factura de Orçamentos virados para fora da Pessoa, para a super-industrialização, para o híper-consumo, para a destruição das fontes da vida e da felicidade?!

Homens e Mulheres do Poder e da Grei:

Que os Orçamentos saídos das vossas mãos sejam um lugar onde se veja e sinta o primado da Pessoa Humana! Onde todos possamos viver e respirar!

 

15.Out.20

Martins Júnior

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