terça-feira, 13 de outubro de 2020

UM VENTILADOR CHAMADO “COVID”

 


Não serei o único, neste país, a fechar os olhos e os ouvidos a um acontecimento que, desde há cem anos, ganhou foros de cartaz nacional e, em tempos de Estado Novo, chegou a cognominar-se de patriótico.

É o 13 de Outubro! O ápice, o clímax, a apoteose!

Passarei ao largo das margens  e dos muitos afluentes que este ano (não)  correram para a azinheira transformada em monumento de betão e cal branca. Apenas um traço geométrico – estranha quadratura do círculo! – em que os extremos se tocam. São semelháveis, siameses, ao menos na coreografia simétrica de passos e gestos. A este propósito, recolho aqui a  opinião de um  conhecido e atento observador dos vida social aquando da agitação publicitária acerca de uma determinada festa vermelha, também ícone nacional e ‘patriótico’. Dizia assim: “Só há duas organizações exemplares na preparação e condução de eventos-ajuntamentos na praça pública: a Igreja e o Partido Comunista”.

E viu-se. Na realidade, o “13 de Outubro” foi impecável em Fátima, tal como o “Avante” também no chão da Atalaia: ordem, afastamento (com marcação prévia no terreno), asseio, programação. Tão diferentes e tão iguais. Iguais por fora, diferentes por dentro. Digam lá, sábios da Escritura, que segredos são estes da natura.

                                                         


Semelhanças e dissemelhanças à parte, vou ao cerne da questão, esta mais séria, mais aguda, até porque quem no-la trouxe foi mestre “Covid”, aquele tanto mata o corpo como purifica o espírito de todo o ser pensante que se abra à sua enigmática mensagem.

Paradoxalmente, o “Covid” apresenta-se também como ventilador implacável das ideias gastas, das praxes contaminadas pela naftalina da opacidade mental. Ele pode vestir o camuflado do agitador público que devassa labirintos obscuros, arrasa raízes daninhas, destrói monstros de negra espuma e, em seu lugar, abre pistas seguras, planta vinhas suculentas e ergue referenciais de luz na espessura dos amanhãs onde possamos respirar e viver em plenitude.

Tudo isto passou na planície do “13 de Outubro”.  O “Covid” marcou presença – tão impressiva e eloquente quanto a ausência das multidões! Do lado de dentro, as seis mil pessoas da estatística oficial. Do lado de fora, as dezenas, centenas de milhares que todos anos se acotovelavam no grande palco.

Feito o balanço/apreciação das duas ‘turmas’ em jogo, pergunta-se: Quem ganhou e Quem perdeu?...  O observador de bancada, que olha e não vê, responderá pronto, assim no bom estilo português: “Ganharam os seis mil que agarraram lugar na praça”.

Pois, que direis vós – pergunto eu agora – das dezenas e centenas de milhares que lá não foram? Perderam?... Mas perderam o quê?... O espectáculo, a emoção colectiva, o passeio turístico?!

Com poucas palavras, ousarei entrar no debate para ver (ou, ao menos, desejar) a vitória dos que não estiveram lá. O “Covid” terá destruído o espectáculo, contido a emoção colectiva, estragado o passeio turístico. Em vez disso, porém, terá reposto na essencial centralidade do pensamento (chamem-lhe Fé, homenagem, simpatia ou o que quiserem) dos ausentes faltosos uma pergunta fatal: “Que é que teria eu lá encontrar que não possa achar e construir dentro de mim?”.

Porque a questão é vasta - e vastíssimas as respostas - recolho-me apenas na imponente declaração que Jesus de Nazaré fez à mulher Samaritana “Os verdadeiros adoradores do Me Pai são os que O adoram em espírito e verdade”. E sem tempo de respirar, atira-lhe com esta ‘tremenda’ proclamação: “Por isso, Eu te garanto, mulher, que está chegando a hora em que nem neste monte da Samaria nem no Templo de Jerusalém  adorareis o Deus Verdadeiro”. (Jo.4, 21,23).

   Terá chegado mesmo essa hora?... Ou não chegará nunca?...

  “Quem tem ouvidos de entender, que entenda”!    (Mt.11,15).

 

13.Out.20

Martins Júnior

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