sábado, 21 de novembro de 2020

“O REI VAI NU”…

                                                                 


                                                             

       O filme, sei-o já, não agradará ao grosso da multidão. E não mo preocupa, porque o Único que teria direito a reclamar, Esse não fala. E se falasse (presunção minha, talvez) dar-me-ia, por certo, o conforto da razão.

Como sempre, é fim-de-semana e vou dessedentar-me às nascentes da minha crença: o LIVRO, onde se faz menção de um rei – estranho rei sem trono, sem terra, sem exército.

Na esteira desse rei Nazareno, uma organização soi-disante sucedânea e herdeira do trono, conseguiu passar de plebeia a aristocrata, metamorfoseou o protagonista em monarca supremo, rivalizando com os imperadores do mundo, (diríamos os DDT, “Donos Disto Tudo”), impondo-lhes o seu vernáculo empoderamento e engrinaldando-se de títulos, comendas, embaixadas, consulados, sucursais e até tribunais e masmorras – tudo à conta de um suposto rei que nunca disfrutou, antes recusou, o estatuto régio.

Julgo desnecessário e redundante desdobrar os requintados mas bolorentos pergaminhos de uma instituição monárquica, a partir do século IV, com o imperador Romano Constantino Magno, a qual ainda persiste na manutenção de privilégios atávicos fabricados à margem e contra os genuínos normativos,  constitutivos do ideário do seu Fundador.

Sempre foi essa a face (hoje, diria, a máscara) identitária com que a dita instituição se tem feito brilhar nos cumes da história de, pelo menos, dezassete séculos consecutivos. Até que, em finais do ano jubilar de 1925, quando as monarquias entravam em agonia irreversível  (Les rois en exil – reis no exílio) eis que o Pontífice Máximo Pio XI instituiu, com pompa e circunstância, a Festa de Cristo-Rei, aquela que lhe é dedicada precisamente neste fim-de-semana. Logo despertaram manif’s, peregrinações, levantaram-se gigantescas estátuas, rasgaram os céus apoteoses de patriotismos nacionalistas que muitos governos, depressa e oportunisticamente,  colaram  ao ceptro e à coroa do Rei-Cristo, marchetado de um peso de ouro mais farto que o seu corpo quase morto.

 

Respeitando embora as tradições e a questionável interpretação das devoções particulares, algo me diz que quanto mais dourada ou diamantina se apresente a Sua efígie, mais se lhe ouve o lamento: “O Rei vai nu”. Porque é outro o seu trono e é outro o seu reino. “O meu não é deste mundo”. (Jo.18,36). Ainda bem que, nesta mesma efeméride, é-nos proposto um outro modelo, a identidade mais fidedigna daquele que muitos pretendem arvorar em potentado monárquico. Desde longe, já o vidente Ezequiel (34, 11 sgs.) descobriu nele a samarra e o cajado de Pastor de um rebanho a que pertencem diversificadas  ovelhas, umas fortes e outras fracas, umas fiéis e outras rebeldes e tresmalhadas. E Ele, o Pastor, toma nos braços as mais frágeis, feridas, e não descansa sem encontrar as que se perderam nas falésias. É por isso que nos seus trajes não há colares de ouro brilhando ao sol, porque  só “cheiram ao pelo das ovelhas”. Já alguém disse isto aos nossos ouvidos.

No mesmo glossário deste domingo, lá vem o Rei, de múltiplas identidades e, com isso, irreconhecível, proscrito, atirado à valeta dos caminhos reais. Ele é o faminto, o sem-abrigo, o doente, o refugiado. Não o de outrora ou de um longínquo continente, mas o que mora ao lado da nossa porta. É este que precisa de ser atendido, visitado, aceite. O outro, o Rei, DDT, não carece de nada.

Vale a pena ler a reportagem antecipada do julgamento universal em que o Rei toma aos ombros a toga de Supremo Juiz. Vem em Mateus, capítulo 25,31 e sgs. Em nenhum outro ordenamento jurídico-religioso se encontra Código Global tão telúrico e tão sublime como este.

21.Nov.20

Martins Júnior        

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