Como
sempre, é fim-de-semana e vou dessedentar-me às nascentes da minha crença: o
LIVRO, onde se faz menção de um rei – estranho rei sem trono, sem terra, sem
exército.
Na
esteira desse rei Nazareno, uma organização soi-disante
sucedânea e herdeira do trono, conseguiu passar de plebeia a aristocrata,
metamorfoseou o protagonista em monarca supremo, rivalizando com os imperadores
do mundo, (diríamos os DDT, “Donos Disto Tudo”), impondo-lhes o seu vernáculo
empoderamento e engrinaldando-se de títulos, comendas, embaixadas, consulados,
sucursais e até tribunais e masmorras – tudo à conta de um suposto rei que
nunca disfrutou, antes recusou, o estatuto régio.
Julgo
desnecessário e redundante desdobrar os requintados mas bolorentos pergaminhos
de uma instituição monárquica, a partir do século IV, com o imperador Romano
Constantino Magno, a qual ainda persiste na manutenção de privilégios atávicos
fabricados à margem e contra os genuínos normativos, constitutivos do ideário do seu Fundador.
Sempre
foi essa a face (hoje, diria, a máscara) identitária com que a dita instituição
se tem feito brilhar nos cumes da história de, pelo menos, dezassete séculos
consecutivos. Até que, em finais do ano jubilar de 1925, quando as monarquias entravam
em agonia irreversível (Les rois en exil – reis no exílio) eis
que o Pontífice Máximo Pio XI instituiu, com pompa e circunstância, a Festa de
Cristo-Rei, aquela que lhe é dedicada precisamente neste fim-de-semana. Logo
despertaram manif’s, peregrinações, levantaram-se gigantescas estátuas,
rasgaram os céus apoteoses de patriotismos nacionalistas que muitos governos,
depressa e oportunisticamente, colaram
ao ceptro e à coroa do Rei-Cristo, marchetado de um peso de ouro mais farto
que o seu corpo quase morto.
Respeitando
embora as tradições e a questionável interpretação das devoções particulares,
algo me diz que quanto mais dourada ou diamantina se apresente a Sua efígie,
mais se lhe ouve o lamento: “O Rei vai nu”. Porque é outro o seu trono e é
outro o seu reino. “O meu não é deste
mundo”. (Jo.18,36). Ainda bem que, nesta mesma efeméride, é-nos proposto um
outro modelo, a identidade mais fidedigna daquele que muitos pretendem arvorar
em potentado monárquico. Desde longe, já o vidente Ezequiel (34, 11 sgs.) descobriu nele a samarra e
o cajado de Pastor de um rebanho a que pertencem diversificadas ovelhas, umas fortes e outras fracas, umas
fiéis e outras rebeldes e tresmalhadas. E Ele, o Pastor, toma nos braços as
mais frágeis, feridas, e não descansa sem encontrar as que se perderam nas
falésias. É por isso que nos seus trajes não há colares de ouro brilhando ao
sol, porque só “cheiram ao pelo das
ovelhas”. Já alguém disse isto aos nossos ouvidos.
No
mesmo glossário deste domingo, lá vem o Rei, de múltiplas identidades e, com
isso, irreconhecível, proscrito, atirado à valeta dos caminhos reais. Ele é o
faminto, o sem-abrigo, o doente, o refugiado. Não o de outrora ou de um
longínquo continente, mas o que mora ao lado da nossa porta. É este que precisa
de ser atendido, visitado, aceite. O outro, o Rei, DDT, não carece de nada.
Vale
a pena ler a reportagem antecipada do julgamento universal em que o Rei toma
aos ombros a toga de Supremo Juiz. Vem em Mateus, capítulo 25,31 e sgs. Em nenhum
outro ordenamento jurídico-religioso se encontra Código Global tão telúrico e
tão sublime como este.
21.Nov.20
Martins Júnior
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