sábado, 5 de dezembro de 2020

JARDIM SUSPENSO OU CEMITÉRIO DE ILUSÕES?... QUEM OS SEGURA?

                                                                 


Vê-la por entre a névoa nocturna e engrinaldada de todas as lâmpadas e de todas as cores baloiçando as ondas, a Ilha transporta-nos aos míticos jardins suspensos da Babilonia, magia da natureza e regalo dos deuses.   Mas, no mesmo olhar, logo que nela se põe o pé, sobem-nos as dúvidas, os medos, outras vagas agarram-se-nos  aos nervos e às mentes, ao coração e ao ouvido quando escutamos notícias, comunicados oficiais, lamentos de empresários e trabalhadores. A chave-de-ouro dos 365 dias do ano – o Natal -  cai ao chão e, em vez de abrir, fecha-nos o portão da felicidade. Tudo, por dentro, contrasta com tudo o que por fora salta aos nossos olhos de adultos regressados à infância. Tudo se nos oferece como desalentada ironia ao nosso sofrimento. E só depois de queimadas as ilusões do despropositado vendaval de fogo arraialesco é que ficará desenhado nas cinzas do chão o cemitério de tantas expectativas goradas.

         Seria oportuno investigar como é que os nossos antepassados reagiram às suas epi/pandemias. Recuperando velhas superstições pagãs, os crentes recorriam à fé, às rogações processionais, aos santos protectores. No Funchal, a São Tiago Menor; em Machico, ao Senhor São Roque, invocado em solene cortejo público para livrar da peste o município e, com base na tradição cultual, nomeado em 1728 Padroeiro de Machico, por votação da Câmara Municipal, conforme consta dos Anais do Município.

         Em tempos bíblicos, conta-nos o Livro, precisamente neste fim-de-semana, que foi Isaías Profeta quem segurou o povo de Israel dizimado após sucessivas derrotas em confronto com os invasores fronteiriços: “Levanta-te e segura o Meu Povo. Sobe à montanha mais alta, ó arauto de Jerusalém, e grita: Acabou a tua escravidão”! (Cap.40, 1 sgs).“. Mais tarde, já chegada a hora de aguardar o Líder Salvador do Reino Judaico, surgiu o Precursor João, homem austero, exigente consigo e com os outros, protótipo de Pedagogo e Condutor de multidões. O caminho, o código de conduta que impunha ao povo, era ele quem primeiro impunha a si próprio, como ler-se em Marcos, capítulo I.

         Hoje, as mentalidades já esclarecidas não procuram no hagiológio eclesiástico soluções sólidas para os grandes problemas que afligem a humanidade. Caminhamos nas sombras, tateando as veredas e sem certezas sobre o fim do túnel. Onde estão os líderes, os luzeiros, os salvadores da grei?

         Impressionou-me ouvir a Ministra da Saúde: “Não há noites mais duras, não há noites mais escuras que as do governo em busca de alternativas”!... Imagino a luta titânica, as contraditórias hipóteses que se entrecruzam, dias e noites a fio, sobre a mesa e sobre a vida, esperando como prémio as pedras do caminho nas mãos dos que não decidem e só contrariam. Meto-me na armadura branca de todos aqueles e aquelas, valorosos soldados da saúde e da paz, tentando esgrimir, derrotar e destronar o invisível ‘corona’ da morte.

         E, ao lado e acima de todos, curvo-me diante de cada homem e de cada mulher, seja qual a sua idade, o seu múnus ou o seu lugar, que se conduzem responsavelmente por entre os meandros deste jardim suspenso, promovendo com o seu esforço de confinamento, solidão e acção esta luta concentracionária e auto-contorcionária, para evitar que a Ilha se transforme num cemitério de ilusões, no crematório das nossas legítimas expectativas.

         Viver o Tempo – este o nosso tempo – aquele que nos coube viver.

         Vivamos hoje para Renascer amanhã: é isto o verdadeiro Natal!

 

05.Dez.20

         Martins Júnior

 

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