Vê-la
por entre a névoa nocturna e engrinaldada de todas as lâmpadas e de todas as
cores baloiçando as ondas, a Ilha transporta-nos aos míticos jardins suspensos
da Babilonia, magia da natureza e regalo dos deuses. Mas, no mesmo olhar, logo que nela se põe o pé, sobem-nos as
dúvidas, os medos, outras vagas agarram-se-nos aos nervos e às mentes, ao coração e ao ouvido
quando escutamos notícias, comunicados oficiais, lamentos de empresários e
trabalhadores. A chave-de-ouro dos 365 dias do ano – o Natal - cai ao chão e, em vez de abrir, fecha-nos o
portão da felicidade. Tudo, por dentro, contrasta com tudo o que por fora salta
aos nossos olhos de adultos regressados à infância. Tudo se nos oferece como
desalentada ironia ao nosso sofrimento. E só depois de queimadas as ilusões do
despropositado vendaval de fogo arraialesco é que ficará desenhado nas cinzas
do chão o cemitério de tantas expectativas goradas.
Seria oportuno investigar como é que os
nossos antepassados reagiram às suas epi/pandemias. Recuperando velhas
superstições pagãs, os crentes recorriam à fé, às rogações processionais, aos
santos protectores. No Funchal, a São Tiago Menor; em Machico, ao Senhor São
Roque, invocado em solene cortejo público para livrar da peste o município e,
com base na tradição cultual, nomeado em 1728 Padroeiro de Machico, por votação
da Câmara Municipal, conforme consta dos Anais do Município.
Em tempos bíblicos, conta-nos o Livro,
precisamente neste fim-de-semana, que foi Isaías Profeta quem segurou o povo de
Israel dizimado após sucessivas derrotas em confronto com os invasores
fronteiriços: “Levanta-te e segura o Meu
Povo. Sobe à montanha mais alta, ó arauto de Jerusalém, e grita: Acabou a tua escravidão”!
(Cap.40, 1 sgs).“. Mais tarde, já chegada a hora de aguardar o Líder
Salvador do Reino Judaico, surgiu o Precursor João, homem austero, exigente
consigo e com os outros, protótipo de Pedagogo e Condutor de multidões. O
caminho, o código de conduta que impunha ao povo, era ele quem primeiro impunha
a si próprio, como ler-se em Marcos, capítulo I.
Hoje, as mentalidades já esclarecidas
não procuram no hagiológio eclesiástico soluções sólidas para os grandes
problemas que afligem a humanidade. Caminhamos nas sombras, tateando as veredas
e sem certezas sobre o fim do túnel. Onde estão os líderes, os luzeiros, os
salvadores da grei?
Impressionou-me ouvir a Ministra da
Saúde: “Não há noites mais duras, não há
noites mais escuras que as do governo em busca de alternativas”!... Imagino
a luta titânica, as contraditórias hipóteses que se entrecruzam, dias e noites
a fio, sobre a mesa e sobre a vida, esperando como prémio as pedras do caminho
nas mãos dos que não decidem e só contrariam. Meto-me na armadura branca de
todos aqueles e aquelas, valorosos soldados da saúde e da paz, tentando
esgrimir, derrotar e destronar o invisível ‘corona’ da morte.
E, ao lado e acima de todos, curvo-me
diante de cada homem e de cada mulher, seja qual a sua idade, o seu múnus ou o
seu lugar, que se conduzem responsavelmente por entre os meandros deste jardim
suspenso, promovendo com o seu esforço de confinamento, solidão e acção esta
luta concentracionária e auto-contorcionária, para evitar que a Ilha se transforme
num cemitério de ilusões, no crematório das nossas legítimas expectativas.
Viver o Tempo – este o nosso tempo –
aquele que nos coube viver.
Vivamos hoje para Renascer amanhã: é
isto o verdadeiro Natal!
05.Dez.20
Martins
Júnior
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