quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

HABITAR A INTERMINÁVEL PAISAGEM LOURENCIANA!

                                                          


Alcaide do tempo, ensinaram-me que “quando morre um idoso, fecha-se uma biblioteca”. Mas à porta do templo da sabedoria, também  aprendi que quando morre um homem, da estirpe de Eduardo Lourenço, seja qual a sua idade, abrem-se milhares de bibliotecas. O crepúsculo quase secular de uma vida prenuncia o  reamanhecer de um novo dia para quem fica.

         Por isso que, em vez de curvar-me lacrimoso sobre a tumba, perfilo-me reconhecido e galvanizado até ao mais íntimo quando vejo um humano mortal subir ao alto, descendo embora em cordas, e evolar-se no misterioso Olimpo inominado que povoa o Universo. Mais leve e límpida fica a minha interioridade se esse humano mortal deixa no seu rasto as marcas dos longos anos vividos, podendo inscrever-se na sua lousa tumular o mais belo de todos os poemas: MISSÃO CUMPRIDA! É então que apetece mandar calar os acordes plangentes da marcha fúnebre e fazer soar bem alto os clarins de uma Ode Triunfal.

         É assim que vejo o Adeus a Eduardo Lourenço. Sem mais panegíricos, sem mais lamentos.  Apenas com esta insanável incógnita: Por que não pode o cérebro do Sábio deixar, em concreto testamento sucessório, a ciência acumulada, a sensibilidade adquirida, a riqueza conquistada na centenar viagem de uma vida?!... Oh quem pudera beneficiar de tão estranha e ambiciosa clonagem!!!

         “Plantar uma árvore, escrever um livro, fazer um filho” – a grande pirâmide triangular que guarda o precioso testamento daqueles “que da lei da morte se vão libertando”! Preciso é ter apetência e coragem para entrar no mausoléu da Sabedoria, abraçar a herança e partilhá-la. Com alguns, com muitos, se possível com todos. De Antero de Quental dizia o seu amigo Eça que “ele tinha alma para sete famílias”. O mesmo dir-se-á de Eduardo Lourenço e de todos os semeadores de luz e de esperança.

         Fazer dos seus livros a alameda repousante das árvores da vida, lê-lo e amá-lo como se ama um filho e se o dá a conhecer ao mundo: eis o emotivo e único cortejo que Eduardo Lourenço espera de nós. Em roda livre, em movimento perpétuo, em abraço reprodutivo. Porque a luta árdua de um Homem-Só produz heróis, mas não cria civilização.

         É neste seu, muito seu “Labirinto da Saudade” que vamos encontrá-lo de novo, todos os dias, como a luz-ao-fundo do grande túnel da Vida!

 

         03.Dez.20

         Martins Júnior  

        

        

              

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