Aguardei o “Dia das
Livrarias e dos Livreiros” para, sem restrições de distância ou máscaras
proibitivas, reunir a grande constelação alada que atravessa o invisível do tempo e as muralhas do espaço, aquela mais
directa – quase a única – capaz de bater-se contra o vírus que escorre do
“corona”, o demolidor vírus da solidão.
Basta trazer as mãos limpas e o olhar sedento para beber o néctar escondido nas
asas de cada página que gravita à nossa volta.
É de livros, autores,
livreiros, compositores gráficos – e na mesma linha, de leitores - que hoje desejo preencher este fim de
tarde., relevando em primeiro plano a profusão de títulos lançados ultimamente
aqui na ilha e no território continental. Recuso-me a macular e a misturar com
o interesseiro ‘mercado de natal’ as produções literárias saídas dos inspirados
talentos que as criaram. Ao invés, elas trazem-nos o melhor antídoto sazonal
contra a solidão: os autores, ao apresentarem as suas obras, estão a dizer-nos
que, mesmo presos nas grades do confinamento, nunca estiveram sós. Eles bem
podem repetir o vitorioso desabafo que Gilbert Cesbron põe na boca de um dos
seus personagens: “A minha prisão é um reino”.
O livro libertou-os. E é
dessa libertação que partilhamos nós, os que temos fome e sede dos seus poemas,
das suas incursões históricas, das suas ilustrações artísticas, também do seu
humor saudável. Todos eles abriram os braços e entregaram-nos, benfazejos,
sementes de esperança.
Porque é de lampejos de
esperança e torrentes de dinamismo que precisamos neste finar de 2020, tão
auspicioso e tão deprimido.
É por isso que, de entre
todos os títulos recentemente publicados, destaco os 181 poemas do Padre José
Luís Rodrigues, atados num sugestivo feixe, com toda a propriedade baptizados de
“PEDAÇOS DE ESPERANÇA”. Sublinho ‘atados’ porque no dentro de todos os poemas,
abertos ou divididos em quatro braços, há um mesmo rio que os une para, na foz,
desaguar em delta identitário: “O Meu Retrato”.
Devo confessar o meu
olhar perante a poesia: a Poesia não se discute, não se mede nem se pesa, muito
menos é objecto de anatomia laboratorial. A poesia, na sua fonte originária e
no seu términus, não se discute, sente-se. Porque é, acima de tudo, coração,
sensibilidade, sétimo céu de cada homem, de cada mulher. Sempre me impressionou
António Correia de Oliveira quando escreveu: “Fez-se um soneto enquanto o
coração bateu catorze vezes!”. Todo o poema é um universo de sabores e saberes.
Até o coração de uma criança tem o tamanho do mundo!
Por isso, da Poesia -
gosta-se ou não se gosta.
E eu gosto dos “Pedaços –
chamaria ‘tsunamis’ – de Esperança” e
com eles me identifico. Porque o Autor em tudo vê nascer e crescer o “verde
viçoso” do desejo, feito espiga promissora do pão futuro. José Luís Rodrigues cumpre
em plenitude o nobre guião do vidente Sebastião da Gama: ”O Poeta em tudo se
demora”, não enrolado sobre si mesmo em onírico narcisismo, mas aberto ao
mundo, qual trombeta altissonante no alto das montanhas, convocando-nos à
grande cruzada: “Esta é a hora de um novo mundo”. E é por isso que “0 meu desejo acolhe cada
ente que se contorce ferido … e se vejo faltar o chão ao pobre, não me calo por
nada deste mundo”.
Não cabe no estreito
espaço desta página aprofundar o pensamento do Autor. Já o fizeram, com
mestria, os Professores Luisa Polinelli e Nelson Veríssimo, aquando da
apresentação pública. No entanto, não posso silenciar a pujança, umas vezes subtil,
outras incontida e aos borbotões, que se desprende de cada poema, assinalando a
trilogia retomada, como refrão vibrante, ao longo de todo o livro: “Fogo…Luz…Amor”
– estes os “Pedaços” com que JLR constrói o monumento da “Esperança”.
Faz bem ao corpo e ao
espírito alimentarmo-nos deste pomar de Poesia. E mantenho a ‘receita’ que o
Autor sugeriu na sua página: “É melhor ler que ingerir ansiolíticos”.
O Padre José Luís
Rodrigues honra o clero madeirense, essa plêiade de pensadores e escritores que
conheci nos recuados tempos da minha juventude e que hoje tanto escasseiam, a
olhos vistos. Bem haja, ilustre poeta e pedagogo, pelo
precioso antídoto em tempo de pandemia. E mais: na hora de comemorar a
Restauração da Soberania Portuguesa em 1640, saborear “Pedaços de Esperança” é
um dos caminhos para conquistar a autêntica Soberania do espírito humano!
01.Dez.20
Martins Júnior
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