Alcaide
do tempo, ensinaram-me que “quando morre um idoso, fecha-se uma biblioteca”.
Mas à porta do templo da sabedoria, também aprendi que quando morre um homem, da estirpe
de Eduardo Lourenço, seja qual a sua idade, abrem-se milhares de bibliotecas. O
crepúsculo quase secular de uma vida prenuncia o reamanhecer de um novo dia para quem fica.
Por isso que, em vez de curvar-me lacrimoso
sobre a tumba, perfilo-me reconhecido e galvanizado até ao mais íntimo quando
vejo um humano mortal subir ao alto, descendo embora em cordas, e evolar-se no
misterioso Olimpo inominado que povoa o Universo. Mais leve e límpida fica a
minha interioridade se esse humano mortal deixa no seu rasto as marcas dos longos
anos vividos, podendo inscrever-se na sua lousa tumular o mais belo de todos os
poemas: MISSÃO CUMPRIDA! É então que apetece mandar calar os acordes plangentes
da marcha fúnebre e fazer soar bem alto os clarins de uma Ode Triunfal.
É assim que vejo o Adeus a Eduardo
Lourenço. Sem mais panegíricos, sem mais lamentos. Apenas com esta insanável incógnita: Por que
não pode o cérebro do Sábio deixar, em concreto testamento sucessório, a
ciência acumulada, a sensibilidade adquirida, a riqueza conquistada na centenar
viagem de uma vida?!... Oh quem pudera beneficiar de tão estranha e ambiciosa clonagem!!!
“Plantar uma árvore, escrever um livro,
fazer um filho” – a grande pirâmide triangular que guarda o precioso testamento
daqueles “que da lei da morte se vão libertando”! Preciso é ter apetência e
coragem para entrar no mausoléu da Sabedoria, abraçar a herança e partilhá-la.
Com alguns, com muitos, se possível com todos. De Antero de Quental dizia o seu
amigo Eça que “ele tinha alma para sete famílias”. O mesmo dir-se-á de Eduardo
Lourenço e de todos os semeadores de luz e de esperança.
Fazer dos seus livros a alameda
repousante das árvores da vida, lê-lo e amá-lo como se ama um filho e se o dá a
conhecer ao mundo: eis o emotivo e único cortejo que Eduardo Lourenço espera de
nós. Em roda livre, em movimento perpétuo, em abraço reprodutivo. Porque a luta
árdua de um Homem-Só produz heróis, mas não cria civilização.
É neste seu, muito seu “Labirinto da
Saudade” que vamos encontrá-lo de novo, todos os dias, como a luz-ao-fundo do
grande túnel da Vida!
03.Dez.20
Martins
Júnior
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