Natal
das famílias, Natal dos conceitos e, nesta hora, Natal das palavras. Porque as
palavras também têm família. Neste ano da graça (e, com ela, também ano da
desgraça), à mesa planetária coube-nos o fatídico cardápio onde só figura o
verbo confinar para aperitivo, prato
e sobremesa. Veio, pois, o “confinar” e toda a sua família: finar, afinar,
desafinar, confinar, refinar e, na gestação temporal, o almejado desconfinar.
Antes
que se fechem todos os ferrolhos da noite e se abram as janelas do sol
nascente, já esta comunidade navega na demanda da família vocabular. Para hoje
e amanhã o “confinar” e o “refinar” transportam-nos até aos patamares do
sucesso pessoal e colectivo. No confinar está a vacina mais natural e eficaz,
porque sem quaisquer laivos de efeitos colaterais. Evitar que alguém caia no
abismo é muito mais nobre e importante que recuperá-la semi-viva dos escombros onde se estatelou. E a varanda
do miradouro é a melhor guarda e o mais gostoso convite para desfrutar da
beleza inscrita no anfiteatro abissal. A varanda é o confinamento.
Mas é
preciso ir mais além. As velhas profecias vaticinavam que “os altos montes seriam
abatidos e os abismos seriam preenchidos”, para que a planura da igualdade se
tornasse o caminho seguro da felicidade. “As veredas tortuosas ficarão rectas”!... Todo
este prodígio tem um sobrenome da família e chama-se: “Re-finar”.
O
Príncipe dos oradores lusos explica-nos com elegância e mestria: “Arranca o estatuário uma pedra destas
montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso,
toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a
membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos,
alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca,
torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe
os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E
fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar”.
Da
pedra tosca, bruta, informe…fez-se um homem perfeito!
O
mesmo que dizer: lapidou-se um diamante enterrado no húmus primitivo! Refinar o
pensamento, a palavra, purificar a sociedade: não há maior troféu a ganhar em
cada combate da história humana. “Ânsias de subir, cobiças de transpor” – já nos
chamara Goethe, no seu “Fausto” a esta ascese evolutiva.
E
já que estamos na esteira da Estrela de Belém, não resisto a citar o ideal perfeccionista
do Nazareno “Sede perfeitos como o vosso
Pai é perfeito”! (Mt. 5,48).
Acordaremos
na próxima madrugada com o refinamento dos raios solares batendo à nossa porta,
anunciando um parto novo neste “Natal do nosso Confinamento”!
21.Dez.20
Martins Júnior
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