segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

UMA REFINARIA TOPO DE GAMA, CONFINADA NO PARTO NATALÍCIO!

                                                                     


Natal das famílias, Natal dos conceitos e, nesta hora, Natal das palavras. Porque as palavras também têm família. Neste ano da graça (e, com ela, também ano da desgraça), à mesa planetária coube-nos o fatídico cardápio onde só figura o verbo confinar para aperitivo, prato e sobremesa. Veio, pois, o “confinar” e toda a sua família: finar, afinar, desafinar, confinar, refinar e, na gestação temporal, o almejado desconfinar.

Antes que se fechem todos os ferrolhos da noite e se abram as janelas do sol nascente, já esta comunidade navega na demanda da família vocabular. Para hoje e amanhã o “confinar” e o “refinar” transportam-nos até aos patamares do sucesso pessoal e colectivo. No confinar está a vacina mais natural e eficaz, porque sem quaisquer laivos de efeitos colaterais. Evitar que alguém caia no abismo é muito mais nobre e importante que recuperá-la semi-viva  dos escombros onde se estatelou. E a varanda do miradouro é a melhor guarda e o mais gostoso convite para desfrutar da beleza inscrita no anfiteatro abissal. A varanda é o confinamento.  

  Mas é preciso ir mais além. As velhas profecias vaticinavam que “os altos montes seriam abatidos e os abismos seriam preenchidos”, para que a planura da igualdade se tornasse o caminho seguro da felicidade.  “As veredas tortuosas ficarão rectas”!... Todo este prodígio tem um sobrenome da família e chama-se: “Re-finar”.

O Príncipe dos oradores lusos explica-nos com elegância e mestria: “Arranca o estatuário uma pedra destas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar”.

Da pedra tosca, bruta, informe…fez-se um homem perfeito!

O mesmo que dizer: lapidou-se um diamante enterrado no húmus primitivo! Refinar o pensamento, a palavra, purificar a sociedade: não há maior troféu a ganhar em cada combate da história humana. “Ânsias de subir, cobiças de transpor” – já nos chamara Goethe, no seu “Fausto” a esta ascese evolutiva.

E já que estamos na esteira da Estrela de Belém, não resisto a citar o ideal perfeccionista do Nazareno “Sede perfeitos como o vosso Pai é perfeito”! (Mt. 5,48).

Acordaremos na próxima madrugada com o refinamento dos raios solares batendo à nossa porta, anunciando um parto novo neste “Natal do nosso Confinamento”!

 

21.Dez.20

Martins Júnior

 

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