Que
rosto tem o Natal?
E
que corpo tem a Alegria?
Estavam
em franca euforia de um jardim de infância regressado, de há 70, 80 e mais anos.
Os baloiços eram as mesas, suficientemente distantes umas das outras, com
muitos lápis coloridos sobre folhas de papel onde aquelas mãos de dedos finos
do trabalho árduo e grossos de rugas da idade desenhavam silhuetas de árvores,
pássaros, telhados e jardins. Após o lanche, os tampos das mesmas mesas
zuniam com o arremesso decidido das cartas vencedoras, à bisca ou ao
cassino.
Os
passos de dança, de pés arrastados para os estranhos, mas leves e saltitantes
para eles e elas em plena sala, faziam retomar os ritmos esquecidos da recuada
juventude. O dia era uma festa, já era a “Festa” anunciada. Para a vintena de anciãos
ali felizes com o ambiente que a solidão do lar não lhes oferecia, perder um
dia no Centro de Convívio era o mesmo que encurtar um ano na vida.
Por
isso, quando a directora entrou e falou, uma nuvem pesada abateu-se na sala e esmagou
toda a alegria reinante. Transformou-se em choro e lágrimas o que, momentos
antes, era descontração e saúde. Que terá
dito a jovem directora?
“Queridos utentes deste
Centro, muito nos custa dizer-vos, mas dou-vos a saber que vamos encerrar as
nossas actividades daqui até ao fim do ano. Primeiro, porque estamos já perto
do Natal, que é a Festa da Família. E depois, para evitar qualquer hipótese de
risco ou contágio do covid. Nenhum de nós o tem, é verdade, mas é melhor prevenir que remediar. E é isso
que as nossas autoridades recomendam”.
Razão
tinham para tamanha tristeza:
“Mais se quer ficar aqui.
A minha família está toda pra fora. Não tenho ninguém em casa. Aqui é que é o
meu Natal, todos os dias”.
Quem
ouviu os lamentos, fora da sala, sentiu apertar-se-lhe o coração. A porta-voz e
a própria psicóloga não se aguentaram de comoção e prometeram visitar os seus “pupilos” durante a quadra natalícia. E lá se
encaminharam, metidos em seus abafos, cada qual para casa, meneando a cabeça
para a sala, como quem olha, já saudoso, para a pátria que deixou para trás.
A
solidão, ai o amargo espinho da solidão!
As
próprias paredes da casa, por mais abastada e farta, não saciam a fome de
alegria de quem se vê só!... E não há lareira que aqueça o frio cortante da
saudade.
Perdoem-me
os meus amigos, companheiros nas jornadas bloguistas, mas achei reconfortante e
útil partilhar convosco a comoção que me tomou por inteiro quando me contaram o
ocorrido. E o quanto é necessário e consolador estar com aqueles que não têm
ninguém com quem estar. Neste e noutros Natais. E com eles aprender que o “Natal
é quando o Homem quiser”.
Procuro
todos os dias a resposta à pergunta que me persegue: “Quantos rostos tem o
Natal e que corpo tem a Alegria”?... Encontro-a escrita em cada pedra do caminho,
em cada escarpa da falésia, em cada ausência carente. Acho-a também, por mais
estranho que pareça, misticamente plasmada naquele cânon de Maomé: “Levar
alegria nem que seja a um só coração vale mais que construir mil altares”. E eu
direi: Que presépios mil!
09.Dez.20
Martins Júnior
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