No
pico da invernia, em que mar havemos de navegar, senão no ‘silêncio
ensurdecedor’ da pandemia?... De tão
silencioso por dentro e tão trovento por
fora, que até mexe com as muralhas das cidades, abala os arcos triunfais dos
palácios presidenciais e manda cerrar os portões gótico-romanos das catedrais.
Das catedrais, das sés metropolitas e das modestas ermidas rurais.
Eis-nos chegados ao epicentro das operações: armamento anti-covid!
Obedecendo ao velho adágio – em tempo de
guerra não se limpam armas – de nada vale dissecar, direi, empatar,
divertir, divergir, enlameando as mãos e o ambiente com as causas a montante.
Agora é o tempo da guerra. É o confinamento. É o fechar de portas ao grosso dos
ajuntamentos para que se abram hipóteses de vitória contra esta e a outras
patologias.
Fechar as portas das igrejas. Por todas
as razões, a hierarquia das Igrejas (a católica e as demais) deveria estar na
vanguarda desta gigantesca cruzada sem tréguas. E é neste campo semântico que
interpreto o pensamento de Antero de Quental: “Na grande marcha da história, o
santo é quem vai à frente”
Primeiro,
porque a Igreja não é artigo de consumo imediato, perecível: não é centro
comercial, não é farmácia, não é banco, não é posto de abastecimento. E ainda
que se lhe queira dar interpretação extensiva ou metafórica, os fármacos da
Igreja, as proteínas, os combustíveis, os valores que ela porventura oferece
são de outro câmbio e de outra essência que não os de primeiro antídoto contra
o vírus. São ‘produtos’ de ordem supra-natural, espiritual, que se reproduzem
na mentalidade e na sensibilidade do indivíduo. Precisamente, deste subsolo de
ideias e valores é que vai brotar o suplemento necessário para enfrentar, com
sólida armadura de pensamento, a guerrilha dos paióis do século XXI. A essencial e estrategicamente certeira está
no confinamento.
É
polimórfica, mimética, transumante a história da Igreja oficial. Não a de Jesus
de Nazaré! A Igreja institucional começou na clandestinidade das catacumbas
romanas, depois (com o Imperador Constantino, desde 313) foi-se afeiçoando aos
salões dourados, galgou tronos imperiais, soube ser fascista com os regimes
fascistas, soube adaptar-se aos poderes nacionalistas – veja-se a Igreja na China,
na Russa e outras – serpenteou silenciosamente nos escolhos de regimes ditatoriais vigentes,
enfim, abandonou a pureza congénita do Nazareno e habituou-se ao triunfalismo
mundano, de grandes eventos, banhos de multidão, prestígio assistencial,
omnipresente.
E
agora?... Como reeducar o povo crente, ensinando-lhe a hierarquia de valores, a
subsidiariedade (que não a essencialidade) de muitos dos ofícios e devoções
dentro das quatro paredes do Templo? Quando entenderão os ‘fiéis’ que, nesta
conjuntura, a capela, a igreja, a catedral, a basílica estão dentro da sua
própria casa, em cuidada união com as respectivas famílias?...
Neste
domingo, o Grande Livro conta-nos o método e o ritual com que o Nazareno chamou
– em termos litúrgicos, hoje diríamos “ordenou” – André e seu irmão Pedro, este
predestinado para pontífice-líder dos futuros apóstolos. “Em casa, no lugar
onde Ele morava” (Jo.1,39). Não foi no Templo de Jerusalém, com pompa e
circunstância, com barretes tricórnios e anéis de ouro engrossados pelos
aplausos da multidão. Foi no ‘confinamento’ silencioso da sua humilde casa de
Nazaré!
Na
sequência destes considerandos e servindo-lhes de apoio e confirmação, não
posso deixar de felicitar o nosso conterrâneo Bispo José de Ornelas, actualmente
titular de Setúbal e presidente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) que na semana transacta decretou para todas
as dioceses de Portugal a suspensão temporária de baptismos, crismas e
casamentos. Recordo, ainda, que o nosso Bispo Nuno Brás, aquando do pico deste
vírus na Madeira, ter afirmado expressamente, há quase um ano: “Temos de
substituir a tradicional pastoral de eventos por uma pastoral de acompanhamento”.
A
Igreja tem de ser a primeira – “à frente”!
– na observância e no incentivo de todas as normas de defesa por entre este mar
tormentoso que nos coube atravessar. Paradigma sublime e caso exemplaríssimo é
o da Catedral de Salisbury (na foto), Reino Unido, que perante a
turbulência desta hora abriu as portas e, sob os arcos ogivais do vetusto
templo, ofereceu as instalações para que os habitantes da cidade recebessem a
vacina anti-Covid.
Que
generosidade, realismo e beleza! Só me lembra o nosso Padre António Vieira, na
catedral de São Luis do Maranhão, há mais de 400 anos: “Nesta capital do
Nordeste brasileiro, mais valera haver hospital e não haver igreja. Mas se tal
não for possível, transforme-se esta igreja em hospital, que Deus ficará mui
contente disso”!
Cumpriu-se
a profecia em Salisbury, Reino Unido, em 2021 !!!
17.Jan.21
Martins Júnior
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