sábado, 13 de março de 2021

ASCENSÃO E QUEDA – RECAÍDA E RESSUNÇÃO

                                                                


Se, Depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,

Não há nada mais simples.

Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.

Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

 

         Assim decretou Fernando Pessoa, nos seus POEMAS INCONJUNTOS, (1913-1915). É o imenso e único ritmo binário da grande partitura da vida. Quisera eu penetrar no último verso e aproximar-me do génio criador do poeta para decifrar aquele enigma: Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.

         É aí, precisamente aí, que se transcreve a enorme sonata, talvez a bela ópera,  dos dias que são meus, dos dias que são nossos. E é dentro desse amplo compasso binário que desliza o ritmo quaternário da história de tudo quanto mexe: do indivíduo, da aldeia. do burgo, da nação, numa palavra, a tessitura de todo um Povo, sejam quais o tempo, o lugar ou a circunstância que lhe coube viver. Poderia repuxar dos sucessivos impérios e civilizações, das mais próximas às mais longínquas, este filão ancestral e lá encontraria invariavelmente os quatro movimentos pendulares em que se alterna a biogénese da sua história: Ascensão e Queda – Recaída e Ressunção!

         No entanto (“como hoje é sábado e amanhã domingo”) vou inspirar-me sempre no LIVRO e daí trazer o conflito hebraico-babilónico. O Povo Hebreu, vaticinado para astro-rei das civilizações orientais – a Ascensão – conheceu o tombo – a Queda - naquela “casa de escravidão”, o Egipto, durante 40 anos, até regressar, pela mão de Moisés,  à sua pátria, a Terra da Promissão, “onde corria leite e mel”. Mais tarde, VI-V século A.C., Nabucodonosor II  esmagou o Povo Eleito de Iahveh e fê-lo escravo na Babilónia (actual Iraque) durante 70 anos – a Recaída -  até que Ciro, rei persa, após derrota de Nabucodonosor II, deu  aos hebreus cativos a liberdade de voltarem para Jerusalém  – a Ressunção – ou seja, o poder de reassumir o reino de Sião ou Judá.

         Aqui, remeto a leitura para o magistral poema do nosso épico, Luis de Camões, quando canta

                   Sôbolos rios que vão

De Babilónia me achei…

………..

…. Não parece razão

Nem seria coisa idónea

Por abrandar a paixão

Que cantasse em Babilónia

As cantigas de Sião,

Que quando a muita graveza

De saudade quebrante

Esta vital fortaleza,

Antes morra de tristeza

Que, por abrandá-la, cante.

 

         A mágoa de Luís de Camões e, mais tarde, de  Giuseppe Verdi, no emocionante ‘Coro dos Escravos’ da ópera NABUCCO, (1842) condensam o dramatismo do ritmo quaternário dos dias que são meus, que são nossos, que são de todos os povos.

         Em tempo de pandemia, estigma-nos a Queda de uma precedente Ascensão evolutiva, a Recaída de Confinamento em Confinamento, (famílias, antes florescentes, auto-suficientes – e agora, de mão estendida) até que surja a Ressunção, aquela hora ou aquele mês ou aquele ano em que possamos reassumir, de corpo inteiro, a prestimosa epifania da Esperança e da Alegria. Dos passos da “Via Crucis” até à alvorada da Páscoa plena.

 

         13.Mar.21

         Martins Júnior

            

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