Se, Depois de eu morrer, quiserem
escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas – a da minha
nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra cousa todos os dias
são meus.
Assim decretou Fernando Pessoa, nos
seus POEMAS INCONJUNTOS, (1913-1915).
É o imenso e único ritmo binário da grande partitura da vida. Quisera eu
penetrar no último verso e aproximar-me do génio criador do poeta para decifrar
aquele enigma: Entre uma e outra cousa
todos os dias são meus.
É aí, precisamente aí, que se
transcreve a enorme sonata, talvez a bela ópera, dos dias
que são meus, dos dias que são nossos. E é dentro desse amplo compasso
binário que desliza o ritmo quaternário da história de tudo quanto mexe: do
indivíduo, da aldeia. do burgo, da nação, numa palavra, a tessitura de todo um
Povo, sejam quais o tempo, o lugar ou a circunstância que lhe coube viver. Poderia
repuxar dos sucessivos impérios e civilizações, das mais próximas às mais longínquas,
este filão ancestral e lá encontraria invariavelmente os quatro movimentos
pendulares em que se alterna a biogénese da sua história: Ascensão e Queda –
Recaída e Ressunção!
No entanto (“como hoje é sábado e
amanhã domingo”) vou inspirar-me sempre no LIVRO e daí trazer o conflito
hebraico-babilónico. O Povo Hebreu, vaticinado para astro-rei das civilizações
orientais – a Ascensão – conheceu o tombo – a Queda - naquela “casa de
escravidão”, o Egipto, durante 40 anos, até regressar, pela mão de Moisés, à sua pátria, a Terra da Promissão, “onde
corria leite e mel”. Mais tarde, VI-V século A.C., Nabucodonosor II esmagou o Povo Eleito de Iahveh e fê-lo
escravo na Babilónia (actual Iraque) durante 70 anos – a Recaída - até que Ciro, rei persa, após derrota de
Nabucodonosor II, deu aos hebreus
cativos a liberdade de voltarem para Jerusalém – a Ressunção – ou seja, o poder de reassumir
o reino de Sião ou Judá.
Aqui, remeto a leitura para o magistral
poema do nosso épico, Luis de Camões, quando canta
Sôbolos rios que vão
De
Babilónia me achei…
………..
….
Não parece razão
Nem
seria coisa idónea
Por
abrandar a paixão
Que
cantasse em Babilónia
As
cantigas de Sião,
Que
quando a muita graveza
De
saudade quebrante
Esta
vital fortaleza,
Antes
morra de tristeza
Que,
por abrandá-la, cante.
A mágoa de Luís de Camões e, mais tarde, de Giuseppe Verdi, no emocionante ‘Coro dos
Escravos’ da ópera NABUCCO, (1842) condensam o dramatismo do ritmo quaternário dos dias que são meus, que são nossos, que
são de todos os povos.
Em tempo de pandemia, estigma-nos a Queda de uma precedente
Ascensão evolutiva, a Recaída de Confinamento em Confinamento, (famílias, antes
florescentes, auto-suficientes – e agora, de mão estendida) até que surja a
Ressunção, aquela hora ou aquele mês ou aquele ano em que possamos reassumir,
de corpo inteiro, a prestimosa epifania da Esperança e da Alegria. Dos passos
da “Via Crucis” até à alvorada da Páscoa plena.
13.Mar.21
Martins Júnior
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