No
Dia Mundial do Teatro sei que nos palcos, nas telas plásticas e nas telas
cinematográficas estão, desde há séculos, espelhados em estilo soberbo os
episódios que antecederam a tragédia que, poucos dias depois, se consumou em
assassinato ou suicídio, questão magna que tem ocupado os meus/os nossos ‘Dias
Ímpares’. Mas o que me domina e fascina não está nas configurações que desses
episódios conceberam os artistas, está sim no original, “ao vivo”, naquela
explosão incontida que abalou as poderosas estruturas de Jerusalém.
Sempre foram de gala estrondosa os
rituais protocolares com que os vencedores entravam nas cidades-capitais do
Império após a vitória sobre os exércitos beligerantes, seus inimigos, chegando
ao cúmulo de trazer os despojos, por vezes os próprios corpos dos vencidos
arrastados aos cavalos de guerra. De gala faustosa, ruidosa, também os cortejos
aristocráticos por ocasião das tomadas de posse dos monarcas e presidentes
eleitos.
Mas
nenhum deles se abeira, em volume e genuinidade, daquele acontecimento que a
nomenclatura oficiosa dá pelo nome de Domingo de Ramos, Domingo de Palmas.
No
ambiente soturno e opressivo que o poder romano do Império e o poder religioso
do Templo traziam todo um povo submisso e acabrunhado, surge um líder decidido
a dar ao seu povo a hipótese de respirar o ar puro de uma vida digna do
estatuto humano. É desse Mestre que nos estamos ocupando nesta semana e na que
se lhe segue. Oriundo da zona mais
rebelde da Palestina, a Galileia, de onde tinham emergido outros bandeirantes
da libertação dos palestinianos face ao invasor de Roma, este Galileu, a um
tempo pacífico mas vigoroso, condescendente mas radical perante as linhas
vermelhas, combatente sem tréguas da prepotência hierárquica mas defensor
acérrimo do direito dos ‘sem vez nem voz’ concitou o ódio dos ‘Donos Daquilo
Tudo’. Ele sabia que estava iminente a trucidação dos seus ideais e da sua
própria existência física.
Por
isso, afrontou os poderes reunidos em sociedade secreta, ao princípio, mas
depressa despudorada e compulsiva. Ele que não dispunha de armas, de finanças
ou de privilégios recomendados, tinha na mão a arma mais forte que uma muralha
intransponível: o Povo – uma multidão de pobres, de pescadores, assalariados
rurais, artesãos e de muitas mulheres, gente tolhida pelo medo dos ditadores
mas ansiosa pela sua hora de emancipação político-social.
E
aconteceu nessa manhã de Domingo. Remeto para a leitura dos quatro autores dos
textos propostos para este fim-de-semana. A cidade ficou alvoroçada, escreveram
eles. Homens, mulheres, jovens, idosos, crianças encheram as ruas e as praças
de Jerusalém, a ponto de porem em sentido (e muito inseguros) os inquilinos dos
palácios governamentais e o próprio Sinédrio.
(Perdoem-me ter de
encerrar, pois o apagão geral da Ilha (devido à tempestade e à trovoada desta
noite) embora fugitivamente restabelecida a energia eléctrica, corremos o risco
de novo corte. Por isso, termino com a citação do ‘Imperador da Língua
Portuguesa’, Padre António Vieira, em discurso proferido neste mesmo dia, na
Baía, Brasil, 1634):
“Eles (os poderosos sumos sacerdotes do Templo) queriam crucificar a Cristo, mas Cristo crucificou-os a eles. Aquelas aclamações do povo eram os pregões que iam diante publicando o delito da sua injustiça, aquelas palmas que levavam na mãos eram as cruzes em que invisivelmente eles iam crucificados na alma”...
O povo perdeu o medo, ganhou personalidade e fez-se respeitar perante o poder instituído. Incluo neste cortejo imponente, genuíno, todos aqueles que ontem, hoje e amanhã são gente “de um só rosto e de uma só fé, de antes quebrar que torcer”, diante das ditaduras de todos os tempos.
E
“se um fraco rei faz fraca a gente forte”, também o seu oposto é verdadeiro: Um
líder forte faz forte a gente fraca”.
Bem vindo,
Domingo de Ramos!
27.Mar.21
Martins Júnior
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