quinta-feira, 25 de março de 2021

ASSASSINATO OU SUICÍDIO? – O TESTEMUNHO DOS FACTOS

                                                                          


         Já que decidi entrar por aqui, não posso voltar atrás -  como quem entra numa vereda alcantilada e até perigosa, na esperança de encontrar a grande paisagem oceânica da Verdade. Chame-se “dúvida metódica”, a cartesiana, ou diga-se como Régio: “Sei que não vou por aí”, o desejo maior é ver  (“ver como um danado”, já o exprimira Fernando Pessoa) sobretudo no emaranhado das crenças, mitos, ilações acomodatícias e quejandos em que nos tem mergulhado a questão formulada anteriormente: “Assassinato ou Suicídio?”.

         Toda esta preocupação vem definida no comentário que alguém fez ao último escrito: “Tantos mistérios: espero que alguém tenha a coragem de contar toda a verdade sobre o que está acontecendo. Já duvidamos de tudo”.

         Tentar encontrar a Verdade dos factos. Imperioso, incontornável! Porque de divagações, interpretações místicas, voos piedosos, construções melodramáticas, de tudo isso estamos cansados, anestesiados. Nada melhor que citar Octávio Castelo Paulo:

         Como alguém disse, “Jesus não era um meteoro caído do céu”, mas sim um homem real, nascido em determinado ambiente social, político e económico, sem nunca esquecer o religioso. Desligar Jesus da época turbulenta em que viveu, com a sua terra sob a ocupação romana, perturbada com as acções guerreiras de outros galileus pobres que, como consequência das suas acções revolucionárias, eram mortos pelos ocupantes inimigos e, muitas vezes, crucificados como escravos, é o mesmo que criar um Jesus desligado da vida, é imaginar um ser mitológico e irreal.

         Quem o afirma é um homem do Direito, antigo Juiz Desembargador, no conceituado estudo: O Processo e a Morte de Jesus, onde faz a análise  paralela à pergunta acima formulada: Assassinato ou Suicídio?

         Embora não caiba nos estreitos limites deste formato a observação descritiva da real circunstância em que viveu o Nazareno, o certo é que sem esse exercício nunca entenderemos “a sua doutrina, a sua execpcional personalidade  e os actos que praticou, ao menos, como são narrados nos evangelhos”, refere o mesmo ilustre jurista.

         Pelo exame das “fontes”, desde o LIVRO até aos historiadores coevos  Flávio Josefo, Tácito, Suetónio e aos Apócrifos, a Palestina – autodesignada ‘Povo Eleito’ -  era um território dilacerado, desde tempos imemoriais, por sucessivas lutas fronteiriças e, interiormente, dividida por acirradas assimetrias sociais. De um lado, a classe dos nobres, adstrita ao clero, por sua vez subdivididos em saduceus, fariseus, essénios. Do outro lado, os camponeses pobres, assalariados, artesãos, pastores nómadas, pescadores. A dominar todo o sistema político-religioso estava o Procurador ou Governador, Representante do Imperador de Roma. Não obstante respeitarem o culto das tradições judaicas, as autoridades romanas na Palestina negociavam com os titulares do Templo de Jerusalém a nomeação do Pontifex, o Sumo Sacerdote dos Judeus que presidia ao Sinédrio, tribunal judaico com jurisdição para julgar questões do foro da religião.  Por onde se conclui da aliança entre os dois poderes: político e religioso, aqueles que condenaram Jesus à morte. Imperava a dupla ditadura, reforçada com o veredicto da Divindade, fonte originária de todo o poder humano, assim se escrevia e decretava.

         Era inevitável o ambiente de animosidade latente contra o regime ocupante da Palestina e entre as próprias classes locais. Cito: A Galileia dos gentios era a região da Palestina, onde existia maior agitação popular, com o aparecimento de novos combatentes inconformados com a situação que viviam, gerando-se nesse meio um ambiente propício aos movimentos contestatários, de teor político-religioso e, por isso, favoráveis ao messianismo e à ideia de que Deus viria ajudar o ‘Povo Eleito’, enviando um Messias salvador, um Ungido, verdadeiro representante do Deus vivo, para instalar o seu Reino.

         É neste ‘caldo’ efervescente que surge “o filho do carpinteiro”, também ele galileu, em quem o povo (e secretamente as próprias autoridades) identificavam o messianismo almejado desde séculos e anunciado pelos profetas do Velho Testamento. Aliás, seria Ele o líder predestinado para vingar a derrota de dois históricos revoltosos – um certo pastor de nome Atronges e um destemido combatente chamado Judas, O Galileu – cujos exércitos populares foram esmagados pelo poder imperial.

         Segundo o testemunho do historiador de então, Flávio Josefo, o citado Judas Galileu foi o fundador da seita dos Zelotas, a qual defendia como regra básica que “a única submissão do homem só poderia ser a Deus, não aos outros homens e muito menos aos romanos pagãos”.

         Como ter-se-á portado Jesus (que recrutou os seus militantes precisamente na Galileia) em toda esta conjuntura, para merecer a simpatia do povo e o ódio das autoridades?

         É o que vamos continuar a descobrir.

 

         25.Mar.21

Martins Júnior

        

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