Já
que decidi entrar por aqui, não posso voltar atrás - como quem entra numa vereda alcantilada e até
perigosa, na esperança de encontrar a grande paisagem oceânica da Verdade. Chame-se
“dúvida metódica”, a cartesiana, ou diga-se como Régio: “Sei que não vou por aí”,
o desejo maior é ver (“ver como um
danado”, já o exprimira Fernando Pessoa) sobretudo no emaranhado das crenças,
mitos, ilações acomodatícias e quejandos em que nos tem mergulhado a questão
formulada anteriormente: “Assassinato ou Suicídio?”.
Toda esta preocupação vem definida no
comentário que alguém fez ao último escrito: “Tantos mistérios: espero que alguém tenha a coragem de
contar toda a verdade sobre o que está acontecendo. Já duvidamos de tudo”.
Tentar encontrar a Verdade dos factos.
Imperioso, incontornável! Porque de divagações, interpretações místicas, voos piedosos,
construções melodramáticas, de tudo isso estamos cansados, anestesiados. Nada
melhor que citar Octávio Castelo Paulo:
Como
alguém disse, “Jesus não era um meteoro caído do céu”, mas sim um homem real,
nascido em determinado ambiente social, político e económico, sem nunca
esquecer o religioso. Desligar Jesus da época turbulenta em que viveu, com a
sua terra sob a ocupação romana, perturbada com as acções guerreiras de outros
galileus pobres que, como consequência das suas acções revolucionárias, eram
mortos pelos ocupantes inimigos e, muitas vezes, crucificados como escravos, é
o mesmo que criar um Jesus desligado da vida, é imaginar um ser mitológico e irreal.
Quem o afirma é um homem do Direito, antigo
Juiz Desembargador, no conceituado estudo: O
Processo e a Morte de Jesus, onde faz a análise paralela à pergunta acima formulada:
Assassinato ou Suicídio?
Embora não caiba nos estreitos limites
deste formato a observação descritiva da real circunstância em que viveu o
Nazareno, o certo é que sem esse exercício nunca entenderemos “a sua doutrina,
a sua execpcional personalidade e os
actos que praticou, ao menos, como são narrados nos evangelhos”, refere o mesmo
ilustre jurista.
Pelo exame das “fontes”, desde o LIVRO
até aos historiadores coevos Flávio
Josefo, Tácito, Suetónio e aos Apócrifos, a Palestina – autodesignada ‘Povo
Eleito’ - era um território dilacerado,
desde tempos imemoriais, por sucessivas lutas fronteiriças e, interiormente,
dividida por acirradas assimetrias sociais. De um lado, a classe dos nobres, adstrita ao clero, por sua vez
subdivididos em saduceus, fariseus, essénios. Do outro lado, os camponeses
pobres, assalariados, artesãos, pastores nómadas, pescadores. A dominar todo o
sistema político-religioso estava o Procurador ou Governador, Representante do
Imperador de Roma. Não obstante respeitarem o culto das tradições judaicas, as
autoridades romanas na Palestina negociavam com os titulares do Templo de Jerusalém
a nomeação do Pontifex, o Sumo Sacerdote dos Judeus que presidia ao Sinédrio,
tribunal judaico com jurisdição para julgar questões do foro da religião. Por onde se conclui da aliança entre os dois
poderes: político e religioso, aqueles que condenaram Jesus à morte. Imperava a
dupla ditadura, reforçada com o veredicto da Divindade, fonte originária de
todo o poder humano, assim se escrevia e decretava.
Era inevitável o ambiente de
animosidade latente contra o regime ocupante da Palestina e entre as próprias
classes locais. Cito: A Galileia dos
gentios era a região da Palestina, onde existia maior agitação popular, com o
aparecimento de novos combatentes inconformados com a situação que viviam,
gerando-se nesse meio um ambiente propício aos movimentos contestatários, de
teor político-religioso e, por isso, favoráveis ao messianismo e à ideia de que
Deus viria ajudar o ‘Povo Eleito’, enviando um Messias salvador, um Ungido,
verdadeiro representante do Deus vivo, para instalar o seu Reino.
É neste ‘caldo’ efervescente que surge “o
filho do carpinteiro”, também ele galileu, em quem o povo (e secretamente as
próprias autoridades) identificavam o messianismo almejado desde séculos e
anunciado pelos profetas do Velho Testamento. Aliás, seria Ele o líder
predestinado para vingar a derrota de dois históricos revoltosos – um certo pastor
de nome Atronges e um destemido combatente chamado Judas, O Galileu – cujos exércitos
populares foram esmagados pelo poder imperial.
Segundo o testemunho do historiador de
então, Flávio Josefo, o citado Judas Galileu foi o fundador da seita dos Zelotas, a qual defendia como
regra básica que “a única submissão do homem só poderia ser a Deus, não aos
outros homens e muito menos aos romanos pagãos”.
Como ter-se-á portado Jesus (que
recrutou os seus militantes precisamente na Galileia) em toda esta conjuntura,
para merecer a simpatia do povo e o ódio das autoridades?
É o que vamos continuar a descobrir.
25.Mar.21
Martins Júnior
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