Consumidor
habitual e cultor compulsivo do LIVRO,
no trânsito hebdomadário entre uma semana e outra, desta vez
impressionou-me o pensamento desse velho sábio Jeremias, quando teve a ousadia
de proclamar uma Nova Ordem Mundial, começando pela cidade e pelo país que
habitava. Falava ele, como intérprete do Juiz Supremo, Iahveh:
Hei-de fazer um Pacto com
o Meu Povo (dar-lhe-ei uma Nova Constituição com um Artigo Único): Não mais precisarão
de quem lhes ensine a Minha Lei, porque Eu Próprio vou inscrever no mais íntimo
da sua inteligência e no mais fundo do seu coração os meus preceitos. Do maior
ao mais pequeno, todos conhecer-Me-ão (e saberão conduzir-se autonomamente) e
com tal evidência que ninguém precisará
que outrem (guru ou mestre) lhes diga:
Faz isto ou faz aquilo. Hei-de colocar neles toda a Minha Lei. E é assim que
quero o Meu Povo. (Jer. 31, 31 sgs).
Que
intuição tamanha e que perspicácia sócio-pedagógica do conceito de liberdade e autonomia integrada!
Interpreto-a esta ‘Nova Ordem’ como o
estádio maior a que pode ascender uma sociedade civilizada. Conferir a cada
cidadão o estatuto plenamente interiorizado de que ele sabe encontrar os
parâmetros exactos da Lei Natural, que é o mesmo que dizer da Lei Divina
impressa na sua carne, no seu sangue, nos seus instintos, nas suas
motivações!!!
Há
mais de 2.700 anos, Jeremias, conhecedor exímio da comunidade em que vivia,
estaria sem dúvida saturado de gurus, juristas, comentadores, opinadores, pregadores
pseudo-profetas, alguns deles talvez perorando em nome de Deus e impondo
preceitos humanos como se fossem divinos, apenas para confundir a opinião
pública e servir os seus mais obscuros interesses. Daí o seu veredicto
desassombrado, restituindo ao cidadão a sua dignidade, obrigando-o a responder
perante o tribunal da sua consciência.
A
este propósito, cito Guerra Junqueiro, (1885) num excerto dos seus fulgurantes
alexandrinos, do poema O CRIME:
… É como o olhar dum
tigre o olhar da consciência…
É este o julgamento e é
este o tribunal:
Reside dentro de nós toda
a sanção penal,
É o crime e o remorso, a
causa com o efeito.
A sociedade tem um único
direito:
Exigir do assassino uma
reparação.
Eduquem-no: é meter a
escola na prisão,
Transformem esse monstro
num ser inteligente
Façam-no livre, isto é,
façam-no consciente.
Consciência quer dizer
responsabilidade.
Um assassino verga os
ferros duma grade
Mas não pode vergar a
consciência austera.
Introduzi a luz no crânio
dessa fera.
É
de um tratado de superior Academia Cívica, Holística (cabe aqui a polémica questão das aulas de
Cidadania) a proclamação que Jeremias sugere e poderíamos dissertar longamente
sobre esta dimensão. Tremendamente actual. Deixo à consideração de cada um. De
cada educador, de cada responsável. De cada jovem. Sei que, nas circunstâncias
presentes, será algo de utópico, longínquo. Mas é este o melhor caminho para
fechar cadeias, aliviar tribunais, corrigir religiões.
Traduzi
o pensamento do Profeta por uma expressão avocada dos movimentos anarco-revolucionários,
desde o Maio/68 e afins. Foi de propósito. Porque o batente “Nem Padres nem
Chefes”, sendo aparentemente anárquico, ultrapassa essa interpretação simplista.
Pelo contrário, releva e acentua a necessidade de uma educação personalizante, deveras
exigente, precisamente na linha do texto bíblico que proponho para esta semana.
Porque
daqui também se caminha para a Poesia e para o Anti-racismo!
21.Mar.21
Martins Júnior
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