Em
se aconchegando a primavera para entrar em cena, com todo o viço e o bulício da
estação primeira do ano, também pairam no ar os ventos que prenunciam as
eleições, essas agitadas monções primaveris que umas vezes rejuvenescem um país
e outras vezes mergulham o povo em atribuladas convulsões sociais, como
recentemente em Mianmar.
Por
coincidência, na semana transacta celebraram-se oito anos sobre uma outra
eleição, a do argentino Jorge Mario Bergoglio para Bispo de Roma, Chefe de
Estado do Vaticano e Pontífice Máximo da Igreja Católica. Uma eleição pacífica,
promissora e já com provas dadas na requalificação, não só da vetusta orgânica
da cúria romana, como sobretudo da renovada face da Igreja no mundo.
Achei,
por isso, oportuno e útil, ao menos numa linha de conhecimento histórico,
espreitar tanto quanto possível os labirintos, os processos, a casuística,
enfim, a engenhosa e poliédrica máquina que produz o mais influente e poderoso
monarca da Europa e, quiçá, do mundo. Por mais estranho que pareça, a escolha
do Supremo Magistrado da Igreja em pouco difere da emaranhada malha de
interesses sócio-políticos e financeiros que se infiltram na maioria das refregas
eleitorais das sociedades profanas. A história demonstra-o, sem margem para
dúvidas.
É
precisamente no panorama discursivo da história da Igreja que se desenham os
diversos perfis dos ‘papábiles’ e dos meandros para lá chegar. Nos primeiros
300 anos, a Igreja cristã viveu intensamente a mística do seu Fundador e, por
isso, foi de sangue sofrido o percurso dos mártires sob o jugo dos Imperadores
de Roma. Os seus líderes, bispos ou papas, surgiam da própria comunidade que os
propunha e escolhia. Todos os papas foram perseguidos, deportados ou
assassinados, segundo refere o cardeal Joseph Hergenrother, primeiro director
do Arquivo do Vaticano, na sua obra Album
dos Papas, escrita em 1885.
Após
o ano de 313, com a ardilosa paz que o Imperador ‘deu’ aos cristãos, a Igreja
paulatinamente foi-se tornando de subjugada a dominadora, de perseguida a
perseguidora. Foi-lhe oferecido o trono em vez da cruz, o reino do mundo em
lugar do reino de Deus. O Papa passou a rivalizar com o Imperador e impunha-se
aos próprios Reis. Já o referenciei num dos meus últimos blog’s.
Neste
cenário, logo se conclui que o Papado tornou-se um sonho apetecido pela nobreza
e, a partir daí, eram candidatos os familiares dos condes, dos duques, os
potentados, sobretudo, da Itália. Condição sine
qua non para que o candidato, ainda
que eleito em consistório eclesiástico, ascendesse oficialmente ao trono
pontifício consistia na concordância do soberano ou imperador, requisito
essencial - o chamado agreement régio.
(Nada de estranho para nós, portugueses, visto que durante o regime
salazarista, só seria bispo quem obtivesse o parecer favorável do governo). Escandalosas,
sangrentas foram as rixas e as intrigas entre as candidaturas com as quais as
diversas facções da nobreza pretendiam, em certas épocas, fazer eleger o seu
favorito. Casos houve em que pontificavam na Igreja três Papas em simultâneo.
Breve
resenha histórica:
Só
a partir do século X, mais precisamente em 1139, o Colégio Eleitoral ficou
reservado aos titulares do cardinalato. O eleito deveria reunir uma maioria de dois
terços dos votos dos eleitores. Acresce a circunstância de que, à semelhança
dos cardeais (que não careciam de receber ordens sacras), também para ser
eleito Papa bastava ser cristão-homem. Só as mulheres e os hereges eram
considerados inelegíveis. Daí que as
sessões prolongavam-se desmesuradamente. Para eleger o Papa Gregório X, em
1268, os cardeais levaram dois anos e
nove meses, o que motivou um decreto do novo Pontífice (Ubi Periculum) a exigir que futuramente os conclaves durariam só
três dias, findos os quais, seria cortada uma determinada ração
alimentar aos cardeais; após cinco dias, nova redução da ementa,
chegando mesmo ao corte total se ultrapassassem os limites. Foi a decisão tão
acertada e eficaz que, após a morte de Gregório X, o conclave durou um só dia. Ridicule mais charmant!
No
escrutínio formal têm um papel nuclear os três escrutinadores e os três infirmarii, encarregados de aceitar e
confirmar os votos dos cardeais doentes que não possam exercer o voto
presencial. É devotamente capciosa a declaração de cada votante junto à urna,
em latim clássico: “Testor Christum
Dominum … Cristo Senhor é minha testemunha que elejo aquele que, segundo
Deus, penso que deve ser o eleito”.
Enfim,
digamos que a eleição do Supremo Magister ou Magistrado da Sé Apostólica e do
Estado do Vaticano é, de há muito, idêntica à que realizam os Estados Unidos da
América: está entregue a um sofisticado Colégio Eleitoral. Digo “sofisticado”, visto que (ao contrário
dos EUA), os eleitores cardeais não são eleitos pelo povo cristão, mas nomeados
antecipadamente, o que faz correr o sério risco da falta de transparência ou de
equivalência fidedigna ao ‘voto’ de toda a Cristandade. Caso a ponderar!
No
entanto, permanece de pé, o veredicto da primitiva Cristandade, dos primeiros séculos
da Igreja, conforme cita o grande teólogo e historiador Yves Congar: “O povo
tem o direito de rejeitar o bispo que não escolheu”.
Grandes e sérias questões, postas à Igreja do
século XXI. Ouso acrescentar: Grandes e sérios problemas que o Papa Francisco
quereria esclarecer e decidir!
17.Mar.21
Martins Júnior
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