De
quarentena pesada esta semana!, assim defini os dias e as horas que preenchem o
itinerário da tragédia que abalou o mundo, desde há dois milénios. Assassinato
ou Suicídio é a grande incógnita que ocupa a semana de pesada quarentena.
Por
que estranha razão há-de preocupar-se a mente humana, a este propósito, quando
se sabe que todas as correntes vão dar à mesma foz, ou seja, à dúvida insolúvel
e, na tese mais optimista, tudo aconteceu em prol do bem comum?... Seja como
for, há um morto na morgue da História e, precisamente em nome da razão e da justiça, interessa saber qual ou
quais os autores. Ao menos, para ‘dar o
seu a seu dono’ e, sobretudo, para tentar desmistificar preconceitos que
enublam gratuitamente o pensamento de indivíduos e gerações.
Do
Nazareno – esse paradigma intocável da verticalidade e da transparência, a toda
a prova – têm-se criado, recriado, desmultiplicado versões tamanhas, as mais
desdobráveis e multifacetadas, quase a torná-lo tão complexo quanto irreconhecível,
enfim, um oximoro perfeito. E esta pesquisa em torno sua morte é uma das pistas
adequadas à descoberta da sua personalidade.
Estamos
perante um dilema posto à consideração do detetive atento: por onde se prova o suicídio?… e/ou onde pairam os
vestígios do assassinato?... Trabalho árduo, que à primeira vista, desaconselha
começar, justamente porque não se sabe como acabar, mais a mais, no curto
formato deste expositor virtual. Tentemos.
A defesa da tese suicidária está envolta numa
enorme nebulosa que atravessa o equador de todos os tempos, formalmente
designado pelo Antes de Cristo e o Depois de Cristo, desde as concepções judaico-cristãs,
herdeiras do Velho Testamento., as quais navegam num mar supra-oceânico, quase
lunar. Passo a descrevê-lo, em termos gerais:
Deus,
que criou o Mundo, achou-se traído pelo rei da criação, o Homem, desde a
alegoria do paraíso terreal e do fruto proibido. No decurso dos tempos, os
descendentes inquilinos do planeta Terra reincidiram na senda dos mesmos
atentados/pecados contra o Criador. Para reparar a afronta a Deus, foi o
próprio Deus, o Juiz Supremo, quem ditou a sentença e o preço do resgaste: nada
mais, nada menos que a morte do próprio Filho. Portanto, a ira furibunda do Pai
só poderia refrear-se se lhe servissem, em audiência solene, o Filho morto, o
Filho Único. Ele próprio, o Deus-Pai, em forma de visão premonitória, exigira a
Abraão – o pai do judaísmo – o sacrifício cruento do filho único Isaac. (Génesis,22).
Dada
a sentença, seria forçoso encontrar o corpo de resgate e, daí, toda a
casuística necessária à sua concretização. O Filho, sem culpa formada, sem
crime algum (assim o reconheceu Pilatos) deveria oferecer-se como vítima
reparadora ao Pai. Na lógica deste processo, todos as ferramentas de tortura,
os carrascos, a cruz, inclusive o traidor Judas, foram os meios logísticos que
o Filho inelutavelmente optou para cumprir o mandato do Pai.
São
imprevisíveis, quase fantasmagóricas (para não dizer, aberrantes, iconoclastas)
as conclusões lógicas que daqui se podem extrair. No entanto, ainda hoje se
repete que “Jesus entregou-se à morte pelos nossos pecados”, inclusive pelos de
uma criança recém-nascida!!!... São Paulo afirma perentoriamente que “Jesus
aniquilou-se a si mesmo até à morte”. (Filipenses,2,7).
A
mentalidade dos primeiros cristãos foi povoada pela entrega voluntária de
Cristo, protótipo do brilho que sobredoura a face dos mártires. Falava-se do
êxtase da morte, êxtase de amor”. Cito, por todos Pierre Emmanuel Dauzat: “Esta
ideia não é nova. Encontra-se já desde o século II em Tertuliano e, pouco
depois, em Orígenes, aplicado a ‘desconstruir’ o Evangelho de João. Desde
então, este tema da morte voluntária de Cristo, ou mesmo do suicídio, permanecerá
omnipresente na reflexão dos teólogos, para assumir um particular relevo em São
Tomás ou John Donne”…
Mais
incisivos, nestas conclusões, são G. Minois e A.Alvarez quando afirmam: “O
acontecimento fundador do cristianismo é o suicídio”… “O suicídio, mal
disfarçado em martírio, é a rocha sobre a qual a Igreja foi edificada”.
Questões
fundamentais sob as quais muitos rios de tinta já correram e muitos mais hão-de
correr! Tentaremos descobrir o caminho, nesta semana pesada e inspiradora.
29.Mar.21
Martins Júnior
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