domingo, 11 de julho de 2021

TODOS NÓS VIMOS ISTO HÁ DOIS MIL E OITOCENTOS ANOS !!!

                                                                   


        Vale a pena voltar ao LIVRO, neste início da semana. O caso passou-se há quase três milénios, século VIII a.C.. E o mais incisivo e surpreendente é que parece ter acontecido ontem. Hoje. Amanhã, enquanto houver mundo para andar.

         Vem tudo descrito no testemunho de Amós, pastor de gado, agricultor e profeta. Devo confessar que esta é, para mim, uma das páginas mais eloquentes do LIVRO e muito me agradaria sublinhar a narrativa bíblica com palavras minhas, ardentes, apaixonadas. Porque é aí, em Amós, que radica e explode a contradição insanável entre a religião fabricada pelos homens e  a religião autêntica, irmã  gémea da espiritualidade, abrangente, totalizante, civilizacional.

         No entanto, prescindo do meu comentário e, para neutralizar eventuais remoques individuais, vou transcrever (com a devida vénia e maior apreço) a interpretação do teólogo e biblista Fernando Armellini, na sua obra “O Banquete da Palavra”, Paulinas Editora, 7ª edição, 2017, págs. 409-411:

         “Um dia, um homem rude chega a Betel, local onde se encontra o mais importante dos templos mandados construir pelo rei Jeroboão II. O homem tem o rosto queimado pelo sol porque passa a vida ao ar livre, pastoreando rebanhos e cultivando os campos. Chama-se Amós, o pastor de Técua, pequena cidade situada a quinze quilómetros a sul de Belém.

         Em vez de se alegrar com a prosperidade reinante por todo o lado, ele começa a invectivar o rei, ataca a prática religiosa, as classes dirigentes, os proprietários de terras, senhorios, comerciantes. O bem-estar ficou limitado a alguns privilegiados e é pago a caro preço pelos pobres do país. Os ricos ostentam o luxo mais descarado, possuem “Residências de Inverno e Residências de Verão” palácios de marfim, grandes casas, fazem banquetes, passam a vida de festa em festa.

         De onde provém a riqueza que esbanjam em farras? … É fruto da opressão e da exploração de assalariados e camponeses indefesos. Oprimem e maltratam, recorrem a fraudes legalizadas, falsificam as balanças,  estabelecem a seu bel-prazer os preços dos produtos e compram o pobre por um par de sandálias.

         Não escapam às críticas as mulheres, as “grandes senhoras” que se abandonam à devassidão, nem mesmo os juízes que convertem o direito em absinto e deitam por terra a justiça e esmagam o pobre, obrigando-o a pagar impostos injustos sobre a colheita do trigo.

         E a prática religiosa fervorosa?... É uma mentira, é apenas aparência, exterioridade, espectáculo. A Deus e para Deus repugnam as orações, o culto, o incenso e os holocaustos, se não se acaba com as desigualdades escandalosas, os roubos e as violências.

         Ora, perante as denúncias de Amós, o Sumo Sacerdote judaico de Betel  fica melindrado e preocupado. Ele teme a reação de Jeroboão II. Para calar o pastor de Técua, o Sumo Sacerdote de Betel começa por denunciá-lo ao rei e depois enfrenta-o directamente: ‘Vê como falas, estás no santuário do soberano, este é o templo do reino. Vai pregar para a tua terra, se queres evitar riscos.

         Ofendido, Amós rebate: ‘Eu não sou profeta de profissão, não pertença à categoria daqueles “capelães da corte” que, como tu, são pagos pelo soberano. Não defendo interesses pessoais e, para ganhar a vida, não preciso de agradar a alguém. Sou pastor e cultivo os campos e sei ganhar o que preciso para viver. Quanto ao rei, o principal responsável por esta sociedade corrupta, terá esta sorte: ‘Morrerá pela espada, o reino de Israel será deportado para longe da sua terra e, assim, terminará esse bando de voluptuosos”.

         Foi longa a citação, mas muito mais vastas são as conclusões, os paralelos, as coincidências.

         Jeroboão construía os templos e oferecia-os aos dignitários religiosos, pagava o salário aos funcionários sacerdotes e subvencionava a manutenção do culto. Por servir a religião… ou para servir-se dela?!...

         Onde é que já vimos isto?... Há 2800 anos?!... Há 1000?!... Há 500?!...Há 100, há 50, há 40 anos?!... Talvez ontem, hoje, aqui e agora!

         Sempre a armadilha dos poderosos: dar o gancho à religião para, depois, controlá-la, comprá-la, manietá-la nos seus servidores, caçando e expulsando os que, como o Profeta Amós, denunciam a real situação das populações. Poderia aqui deixar uma mancheia de vítimas dos poderosos, em todos os reinos, em todos os continentes e aqui mesmo na Ilha. Não tenho a menor dúvida – já o provei no último blog –  de que a ‘nossa’ (deles) autonomia é fruto incestuoso desta açambarcadora aliança entre poder religioso e poder político.

         Encosto o meu cérebro ao coração generoso e aguerrido do Profeta Amós e concluo com aqueles que acharem por bem acompanhar-me nesta evidência do quotidiano:
a Religião-Instituição destrói a religião-emanação do Espírito e da Vida. A religião formal, artificial,  destrói a religião natural, inata na alma humana.

         Grande incógnita e tremenda introspeção para os líderes de todas as religiões!

 

         11.Jul.21

         Martins Júnior   

Sem comentários:

Enviar um comentário