“Ai,
logo hoje, que é sexta-feira”- remexia-se Madalena (e remexia os seus traumas) recostada no
cadeirão da sala que dava para o Tejo agitado, quando avistava o bergantim que
trazia o ‘seu’ Manuel de Sousa Coutinho.
Mas
não foi só no “Frei Luís de Sousa” que Almeida Garrett desenterrou os fantasmas
medievais da cultura popular. Deambulando pelas “Viagens na Minha Terra”,
estacamos nos transes de pavor irreprimido da avó de Joaninha, sempre que Frei
Dinis visitava aquela velha casa: “Ai, que se aproxima esse dia fatal e aziago, a sexta-feira!”…
Não
sei se os meus acompanhantes blogófilos (deixem
passar o neologismo) ter-se-ão lembrado
dos quase-genéticos fantasmas, como o de “sexta-feira,
dia 13”, que perseguem e desestabilizam o nosso normal estado psíquico. A
verdade, porém, é que eles andam por aí à solta, como exemplares reincarnados,
à espera das frágeis oportunidades em que se afundam as almas deprimidas. É
desse ‘limbo’ escorregadio e, por vezes, fatalmente interminável, que se enchem
consultórios de psicanalistas, psiquiatras e, para mal dos consulentes, os
cubículos de curandeiros e charlatães bruxos das feiras.
Compulsando
os insondáveis trilhos da literatura antropológica, descobrimos logo de entrada
que o ser humano tem uma atração irresistível pelo mito, seja fábula, parábola, voo esotérico, algo
que, ao mesmo tempo que atormenta, também adormenta a vertigem do abismo
desconhecido. Todos os povos e civilizações têm os seus, desde os mais recuados
no tempo até aos mais, aparentemente, desinibidos e saudáveis da actualidade. Desconcertou-me,
já lá vai meio século, a contradição mais flagrante entre dois mundos. Foi em
Brasília: numa cidade ultra-moderna, plasmada em laboratório e transposta para
o terreno, jardins paradisíacos conversando com a beleza harmónica das moradias,
basílica e palácios saídos da mão mágica de Óscar Niemeyer – e logo abaixo, às portas de um cemitério, todo um
estendal de pescoços de galo preto, velas e castiçais, cruzes e cruzetas,
tralha nauseabunda, um monumental aborto conta a ciência, a ecologia, a arte da mais inspirada arquitectura que definem a
capital do Brasil.
Vem de muito longe a herança de arquétipos
ancestrais, incrustados na psicologia humana. O LIVRO, a Bíblia, está repleta
destas alegorias construídas ao gosto do povo hebreu, ardilosas, algumas delas,
autênticos poemas híbridos, amálgama bicéfala entre o divino e o humano, de que
é paradigma perfeito a cosmogonia da Criação e a narrativa do fruto proibido. E
muitas outras, inúmeras.
Fenómeno
deveras sintomático, comum a todas as religiões, é a sacralização de práticas
pagãs, assentes nos mitos e nas tradições orais, as quais foram assimiladas e incorporadas nas liturgias das
mesmas religiões, destacando –se as famosas Saturnalia
do culto pagão que deram origem ao Natal cristão. E uma vez que, nas suas
maiores extensões, o Ser Humano não sobrevive sem o recurso ao mítico e ao
mistério, não será de estranhar que o aziago Dia 13 tenha sido absorvido pelo Dia 13 de Fátima, à semelhança do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, foi transformado no catolicíssimo Dia de São José, Operário.
O
importante e necessário é que o Homem se liberte dos traumas gratuitos,
acumulados por sucessivas gerações e tome nas mãos o temão dos navegantes corajosos
em demanda de porto seguro. Sem amarras imaginárias!
Termino esta breve divagação, debruçado
já sobre a varanda de sábado, evocando aquele jovem, amigo de infância que,
estando marcado o dia do casamento para um dia de sábado, 14 de Agosto, tomou a
firme decisão de afrontar os mitos e esconjurar todos os ridículos fantasmas,
optando por antecipar a realização do casamento, precisamente, para o dia
anterior: Sexta-feira, 13 de Agosto!
13.Ago.21
Martins
Júnior
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