É
sempre de um doce encanto e não menos vigoroso impacto viajar até à origem de
tudo, mais intensamente do tudo de onde viemos e por onde começámos: o primeiro
berço, os primeiros passos, a primeira escola, a entrada na universidade, o
estágio do primeiro emprego, o primeiro amor, o primeiro contrato de aquisição
de casa própria, tudo.
É
o que se chama o regresso às fontes, sobretudo quando estão em causa decisões
que terão marcado o futuro, o nosso e o da sociedade a que pertencemos. Cabem
aqui as motivações que ditaram uma carreira, os estatutos de uma recém-criada
associação, as linhas programáticas de um partido, a escolha de deputados e
governantes e, ainda, a ordenação de eclesiásticos e evangelizadores. Para além
da saudável nostalgia desse regresso, impõe-se um imperativo recurso às origens
para obviar aos desvios e deturpações que as circunstâncias e os embates da
vida provocam na rota inicialmente traçada.
Hoje,
Sábado - e amanhã, Domingo – cai-nos nas mãos o LIVRO de fim-de-semana, onde
nos confrontamos com essa precisa encruzilhada de tomar decisões, fazer opções,
chamar colaboradores responsáveis, enfim, pôr em marcha um projecto credível e
duradouro, um património imaterial que, volvidos mais de vinte séculos, ainda
persiste. Precisamente pela sua longevidade e pelas mais anómalas vicissitudes
em que se tem emaranhado, torna-se necessário e urgente, em cada época,
remontar ao princípio, à pureza original do primeiro impulso.
Convido-vos
a compulsar o texto de Lucas, capítulo V.
Após
trinta anos de anonimato numa carpintaria familiar, o Nazareno sente chegar a
hora de avançar com o seu projecto tremendamente reformador, manifestamente
revolucionário, qual o de fazer caducar as estruturas falaciosas e podres de um
regime sacro-ditatorial, para reerguer um mundo novo e uma Constituição
regeneradora de toda a sociedade. Onde encontrar, porém, militantes firmes,
clarividentes, seguros, da mesma fibra que o seu Fundador?... Aqui refugio-me no
horto recôndito da minha introspecção para extasiar-me diante deste Visionário,
as ânsias, os avanços e recuos, as expectativas e os previsíveis insucessos,
enfim, quantos suores frios e quantas arritmias a bater-lhe dentro do peito!
Mas…
fazer-se ao largo – é preciso! Mete-se no barco (os ‘valorosos’
militantes eram pobres pescadores) observa-os de perto, possivelmente ajuda-os na faina das redes, é
enorme a sorte da pescaria e, uma vez na praia, não tem dúvidas: “É com estes
que eu conto. Vinde comigo. Farei de vós pescadores de algo maior: pescadores
de homens, de pessoas, de corpos e almas”!
Além
do contacto directo no chão da vida e na partilha do trabalho braçal, que
estranha magia teria penetrado naqueles homens de mãos calejadas e pele tisnada
do sal marinho, para ‘transtornar-lhes’ a vida e tomarem uma opção radical,
irreversível: “Eles logo deixaram as
redes, deixaram tudo e seguiram a Jesus”!!!
Por
mim, preferia ficar por aqui, na contemplação deste quadro tão solto e
emocionante (digno de uma aguarela romântica) quanto avassalador nas suas
consequências se fizermos o paralelo com os tais “desvios e deturpações” que a
Instituição tem protagonizado ao longo de vinte séculos.
Até
onde levar-nos-ia o interminável filão deste episódio, elemento fundacional do verdadeiro
Cristianismo que faz de todo o cristão parte essencial do “corpo sacerdotal”,
do “sacerdócio real”!... E é justamente nessa direcção que segue a linha
evangelizadora dos actuais teólogos, inspirados nas fontes originárias do
Evangelho. Como tal e porque nada melhor que apoiar-se nos Mestres, recomendo
vivamente os capítulos finais do último Grande Livro do Professor Padre Anselmo
Borges – “O Mundo e a Igreja, Que Futuro?” – onde se afirma, com sólida fundamentação
histórica, que Nem Jesus nem os Apóstolos
ordenaram sacerdotes”.
Entender
a simplicidade e a profundidade do projecto de Jesus de Nazaré não se compadece
com meros espectáculos pios, fogos fátuos da ribalta social, decalcados da
aristocracia burocrática dos impérios mundanos. É preciso regressar ao Mar da
Galileia, ouvir chamar os colaboradores
militantes e fixar a voz do narrador: Eles
deixaram tudo e seguiram-nO”!
05.Fev.22
Martins Júnior
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