Aconteceu
ontem na vetusta herdade dos morgados da ilha, precisamente no coração que,
desde os primórdios do povoamento, animou e fez crescer aquela laboriosa
população talhada à medida da fertilidade das terras. Aí, sob os tectos do
templo quinhentista, sucessivamente alterado através dos séculos, vi claramente
plasmada a mais expressiva definição da instituição Igreja: “Mater et Magistra”
– Mãe e Mestra.
O
livro de texto – “Arco da Calheta, Património Religioso e Alguns Aspetos do Quotidiano”,
da autoria do investigador Paulo Ladeira – serviu de mote a uma mui elucidativa
sessão de História da Arte, na sua visão holística, enquanto representativa das
múltiplas valências sócio-culturais daquela comunidade. Mais ecológico e ajustado
não poderia ser o ambiente. Ali, dir-se-ia “ao vivo”, desfilaram os
protagonistas do “Grande Teatro” daquele mundo, onde a ruralidade se funde com a mais fina criatividade artística. Desde
as motivações inspiradoras dos artistas
às vivências telúricas das suas gentes, pode afirmar-se sem sombra de erro que
fizemos naquela tarde a viagem multi-secular, não só em redor da freguesia, mas
em torno da Madeira de outros tempos.
“Mater
et Magistra” – disse-o acima. Assim como nos velhos mosteiros cistercienses onde,
consubstanciadas com a “casa de oração”, funcionavam aulas de música,
humanidades, filosofia e até escolas oficinais, também vimos ontem dentro do
templo a reedição daquele paradigma ideal do homem total, enriquecido
harmonicamente de corpo e alma. O recém-chegado bispo Nuno Braz “desceu” do
cadeirão pontifical e, tal como o Padre Manuel Bernardes no seu livro “Pão
Partido aos Pequeninos”, veio o prelado madeirense (autor do Prefácio) discorrer
com mestria e acurado sentido pedagógico sobre o património em geral,
adequando-o depois ao âmbito local, em
metáforas e alegorias de transparente intuição popular, facilmente
inteligíveis. Foi como que a lição da Igreja “Mater”. Coube a tarefa do
magistério aos especialistas em História, Cristina Trindade e Paulo Ladeira,
que ajudaram a multidão apinhada no templo a aprofundar conhecimentos, para
melhor entender e amar o que é seu, o seu património. Foi então a Igreja “Magistra”,
na sua função valoradora dos talentos humanos.
A
simplicidade do acto cativou os presentes, vendo-se bem que tanto o prelado da
diocese como as entidades patrocinadoras da publicação dispensaram as praxes oficiais
do protocolo. A culminar esta verdadeira “ágape” espiritual, o coro da localidade,
dirigido pelo exímio cultor musical, José Alberto Reis, colocou “a cereja em
cima do bolo”.
Sem
prejuízo das obras publicadas e publicandas de outros historiadores sobre a
Arte Sacra na Madeira, releva-se no caso do Arco da Calheta um povo em busca do
seu próprio rosto ao longo da História, pela mão de filhos da terra, o que mais
faz subir a estatura autóctone das suas gentes. À Alma do projecto, Eugénio
Perregil, e a quem lhe deu corpo, Paulo Ladeira, a mais subida consideração!
Não
posso fechar este breve panegírico ao Arco da Calheta sem um desabafo muito
intimista: ter encontrado o meu colega de Seminário, o Dr. Manuel da Silva Leça,
antigo presidente da Câmara Municipal da Calheta, hoje com 87 anos, mas de uma
lucidez penetrante, admirável. Registo a autenticidade e o afecto da sua
dedicatória no livro, de que é co-autor: “Para
o Revº. Martins, com saudades e amizade”.
À
população do Arco da Calheta, os meus parabéns, “que tais filhos teve” e um
Bem-Haja por nos ter envolvido neste grande arco luminoso que liga o passado ao
presente e ao futuro!
27.Jun-19
Martins Júnior
Tanta coisa extraordinária vai acontecendo na nossa Região em dias ímpares, com vários operários a construir na diversidade o mesmo caminho.
ResponderEliminarOs tempos atuais, o mesmo caminho, objetivos a atingir, mas sem esquecer o passado.
EliminarCALHETA !
ResponderEliminarIlha da Madeira, Arco da Calheta, uma historia enraizada na memoria e no coração de muitas pessoas que ai ficaram e de muitas que dai saíram para o mundo.
Falo com o conhecimento e a memoria dos meus pais que em meio a segunda guerra mundial, na década de 30/40 do século passado partiram dai com destino ao Brasil após celebrarem a cerimonia de suas núpcias.
Aqui nascemos nós, filhos desse casal de Madeirenses que trouxeram no coração a saudade constante da pátria, da Ilha da Madeira e desse lugarzinho simples e fantástico que é a Calheta.
Calheta , onde se nasce poeta, onde as cantigas exaltam as estrelas, as igrejas, os santos, os lugares, as pessoas, a lua, o sol, o amor.
Lembro-me de uns versos declamados pela minha mãe, que falava de um rapaz, que admirado e enamorado pela beleza de uma rapariga, ao passar em frente a casa dela e vendo-a na janela busca conquista-la dizendo poeticamente:
ELE:
Oh menina que estais na janela,
De cabelos penteados,
Eu não sei minha menina
Como tudo não tens casado?
ELA:
É verdade sim Senhor,
Acho-lhe de toda razão,
Mas os rapazes que tenho tido,
Não são de minha feição.
ELE:
Pois então minha menina
Embrulhe-se neste capote
E vá perguntar ao seu pai,
O que tem para o seu dote
ELA:
Isso é coisa que não faço,
Porque sei que papai não faz,
Basta a minha boniteza,
Para o dote de um rapaz.
ELE:
Pois então minha menina,
Vá procurar outro dono,
Porque eu como é o do dinheiro
E da beleza eu não como!
Versos simples, mas que exemplificam bem a capacidade de inspiração, improvisação e poetização desse povo humano, alegre e espiritualizado desse lugar incrível que é a nossa Calheta.