quinta-feira, 27 de junho de 2019

NO ARCO DA CALHETA – O GRANDE ARCO DA HISTÓRIA DE UM POVO!


                                                    

Aconteceu ontem na vetusta herdade dos morgados da ilha, precisamente no coração que, desde os primórdios do povoamento, animou e fez crescer aquela laboriosa população talhada à medida da fertilidade das terras. Aí, sob os tectos do templo quinhentista, sucessivamente alterado através dos séculos, vi claramente plasmada a mais expressiva definição da instituição Igreja: “Mater et Magistra” – Mãe e Mestra.
O livro de texto – “Arco da Calheta, Património Religioso e Alguns Aspetos do Quotidiano”, da autoria do investigador Paulo Ladeira – serviu de mote a uma mui elucidativa sessão de História da Arte, na sua visão holística, enquanto representativa das múltiplas valências sócio-culturais daquela comunidade. Mais ecológico e ajustado não poderia ser o ambiente. Ali, dir-se-ia “ao vivo”, desfilaram os protagonistas do “Grande Teatro” daquele mundo, onde a ruralidade se funde  com a mais fina criatividade artística. Desde as motivações  inspiradoras dos artistas às vivências telúricas das suas gentes, pode afirmar-se sem sombra de erro que fizemos naquela tarde a viagem multi-secular, não só em redor da freguesia, mas em torno da Madeira de outros tempos.
“Mater et Magistra” – disse-o acima. Assim como nos velhos mosteiros cistercienses onde, consubstanciadas com a “casa de oração”, funcionavam aulas de música, humanidades, filosofia e até escolas oficinais, também vimos ontem dentro do templo a reedição daquele paradigma ideal do homem total, enriquecido harmonicamente de corpo e alma. O recém-chegado bispo Nuno Braz “desceu” do cadeirão pontifical e, tal como o Padre Manuel Bernardes no seu livro “Pão Partido aos Pequeninos”, veio o prelado madeirense (autor do Prefácio) discorrer com mestria e acurado sentido pedagógico sobre o património em geral, adequando-o depois ao âmbito local,  em metáforas e alegorias de transparente intuição popular, facilmente inteligíveis. Foi como que a lição da Igreja “Mater”. Coube a tarefa do magistério aos especialistas em História, Cristina Trindade e Paulo Ladeira, que ajudaram a multidão apinhada no templo a aprofundar conhecimentos, para melhor entender e amar o que é seu, o seu património. Foi então a Igreja “Magistra”, na sua função valoradora dos talentos humanos.
A simplicidade do acto cativou os presentes, vendo-se bem que tanto o prelado da diocese como as entidades patrocinadoras da publicação dispensaram as praxes oficiais do protocolo. A culminar esta verdadeira “ágape” espiritual, o coro da localidade, dirigido pelo exímio cultor musical, José Alberto Reis, colocou “a cereja em cima do bolo”.
Sem prejuízo das obras publicadas e publicandas de outros historiadores sobre a Arte Sacra na Madeira, releva-se no caso do Arco da Calheta um povo em busca do seu próprio rosto ao longo da História, pela mão de filhos da terra, o que mais faz subir a estatura autóctone das suas gentes. À Alma do projecto, Eugénio Perregil, e a quem lhe deu corpo, Paulo Ladeira, a mais subida consideração!
Não posso fechar este breve panegírico ao Arco da Calheta sem um desabafo muito intimista: ter encontrado o meu colega de Seminário, o Dr. Manuel da Silva Leça, antigo presidente da Câmara Municipal da Calheta, hoje com 87 anos, mas de uma lucidez penetrante, admirável. Registo a autenticidade e o afecto da sua dedicatória no livro, de que é co-autor: “Para o Revº. Martins, com saudades e amizade”.
À população do Arco da Calheta, os meus parabéns, “que tais filhos teve” e um Bem-Haja por nos ter envolvido neste grande arco luminoso que liga o passado ao presente e ao futuro!

27.Jun-19
Martins Júnior             

3 comentários:

  1. Tanta coisa extraordinária vai acontecendo na nossa Região em dias ímpares, com vários operários a construir na diversidade o mesmo caminho.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Os tempos atuais, o mesmo caminho, objetivos a atingir, mas sem esquecer o passado.

      Eliminar
  2. CALHETA !

    Ilha da Madeira, Arco da Calheta, uma historia enraizada na memoria e no coração de muitas pessoas que ai ficaram e de muitas que dai saíram para o mundo.
    Falo com o conhecimento e a memoria dos meus pais que em meio a segunda guerra mundial, na década de 30/40 do século passado partiram dai com destino ao Brasil após celebrarem a cerimonia de suas núpcias.
    Aqui nascemos nós, filhos desse casal de Madeirenses que trouxeram no coração a saudade constante da pátria, da Ilha da Madeira e desse lugarzinho simples e fantástico que é a Calheta.
    Calheta , onde se nasce poeta, onde as cantigas exaltam as estrelas, as igrejas, os santos, os lugares, as pessoas, a lua, o sol, o amor.
    Lembro-me de uns versos declamados pela minha mãe, que falava de um rapaz, que admirado e enamorado pela beleza de uma rapariga, ao passar em frente a casa dela e vendo-a na janela busca conquista-la dizendo poeticamente:

    ELE:
    Oh menina que estais na janela,
    De cabelos penteados,
    Eu não sei minha menina
    Como tudo não tens casado?

    ELA:
    É verdade sim Senhor,
    Acho-lhe de toda razão,
    Mas os rapazes que tenho tido,
    Não são de minha feição.

    ELE:
    Pois então minha menina
    Embrulhe-se neste capote
    E vá perguntar ao seu pai,
    O que tem para o seu dote

    ELA:
    Isso é coisa que não faço,
    Porque sei que papai não faz,
    Basta a minha boniteza,
    Para o dote de um rapaz.

    ELE:
    Pois então minha menina,
    Vá procurar outro dono,
    Porque eu como é o do dinheiro
    E da beleza eu não como!

    Versos simples, mas que exemplificam bem a capacidade de inspiração, improvisação e poetização desse povo humano, alegre e espiritualizado desse lugar incrível que é a nossa Calheta.

    ResponderEliminar