É
de monarquias que hoje nos fala o penúltimo fim-de-semana de Outubro. Parece
inscrita no ADN da espécie humana uma vertigem irresistível para o culto real,
Desde a Velha Escritura dos Faraós do Egipto e das Teocracias judaicas até ao
sonho neo-testamentário de reconquistar o Reino de Israel, o trono monárquico
exerce uma fatal atracção na história dos povos, em manifesta contradição com
os regimes democráticos, estes sim, expressão genuína do poder popular.
Curiosamente, é no húmus nativo das religiões
que essa tendência mais se afirma. “Sacerdote, Profeta e Rei”, assim se
cognominava o David bíblico. E o próprio Nazareno (sempre avesso à auto-entronização)
Ele mesmo não conseguiu fugir ao desejo dos populares, seus sequazes, ao ponto
de O designarem como Rei, o seu Rei, o “Rei dos Judeus”.
Por
sua vez, a Igreja - dita de Cristo – agarrou ciosamente a tradição da
impotência popular e tudo fez para assentar arraiais na crista do Planeta. Fez-se
rainha, entronizou um rei-pontífice, ergueu-lhe baldaquino e estendeu-lhe
passadeira vermelha até às cúpulas do palácio, guardadas pela nova raça ariana
subtitulada de guarda-suíça. Para cimentar o reinado, estratificou a Corte (a
que chamou Cúria), hierarquizando e subdividindo estrelas e comendas: a uns
chamou cardeais (senadores não eleitos) a outros monsenhores e arcebispos, a
outros canonizou-os, para que não perdessem a chancela do divino. Ao nível dos
sargentos militares, 'conegou' alguns e, no cabo e no porão da “barca de Pedro”,
arrumou os ‘soldados rasos’, padres da aldeia e leigos aos molhos sem qualquer
poder participativo nesse “Reino para-militar”. E para que em nada se
diferenciasse do fastígio das profanas cortes imperiais, estabeleceu núncios e
pulverizou-os por tudo quanto era Estado-Nação, não sem antes ter o cuidado de
ocultar-lhes as mundanas credenciais sob a doce designação de “núncios
apostólicos”. Imaginaria, alguma vez, Pedro, o pescador da Galileia, ter ao seu
serviço embaixadores plenipotenciários por esse mundo fora?...
Estava
montado o Sacro Império que, miraculosamente, atravessou vinte séculos de
mandato, um ‘invejável’ legado que prenuncia um não menos obeso volume de rara longevidade planetária. Resta perguntar, em
voz baixa e tão frágil que toque o fundo da consciência: “Será fácil ou será
mesmo possível encontrar a sombra, sequer, do pobre Nazareno nas costuras de
tão arregimentado palácio imperial?”.
Bem
se tem esforçado o actual “Guarda-Maior” do Palácio por desentranhar daqueles ‘salões
dourados’ o espírito de Jesus. Jamais consegui-lo-á. Pela racional evidência de
que Ele não mora ali. Nunca morou. Ele o disse: “Os animais têm as suas tocas,
mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” E disse o porquê: “Porque
o Meu Reino não é deste mundo”
E se de um falso Rei se pode afirmar que ele
vai nu, por que razão não poderá constatar-se uma outra evidência social: “A
Rainha também vai nua”. Por mais
requintada e superabundante de formas que se apresente a instituição, enquanto
não se converter à autenticidade evangélica, sempre se há-de dizer: Ela vai
nua, porque despida da Verdade e da Beleza originais.
23.Nov.19
Martins Júnior
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