sábado, 23 de novembro de 2019

“A RAINHA” VAI NUA…


                                                    

 É de monarquias que hoje nos fala o penúltimo fim-de-semana de Outubro. Parece inscrita no ADN da espécie humana uma vertigem irresistível para o culto real, Desde a Velha Escritura dos Faraós do Egipto e das Teocracias judaicas até ao sonho neo-testamentário de reconquistar o Reino de Israel, o trono monárquico exerce uma fatal atracção na história dos povos, em manifesta contradição com os regimes democráticos, estes sim, expressão genuína do poder popular.
 Curiosamente, é no húmus nativo das religiões que essa tendência mais se afirma. “Sacerdote, Profeta e Rei”, assim se cognominava o David bíblico. E o próprio Nazareno (sempre avesso à auto-entronização) Ele mesmo não conseguiu fugir ao desejo dos populares, seus sequazes, ao ponto de O designarem como Rei, o seu Rei, o “Rei dos Judeus”.
Por sua vez, a Igreja - dita de Cristo – agarrou ciosamente a tradição da impotência popular e tudo fez para assentar arraiais na crista do Planeta. Fez-se rainha, entronizou um rei-pontífice, ergueu-lhe baldaquino e estendeu-lhe passadeira vermelha até às cúpulas do palácio, guardadas pela nova raça ariana subtitulada de guarda-suíça. Para cimentar o reinado, estratificou a Corte (a que chamou Cúria), hierarquizando e subdividindo estrelas e comendas: a uns chamou cardeais (senadores não eleitos) a outros monsenhores e arcebispos, a outros canonizou-os, para que não perdessem a chancela do divino. Ao nível dos sargentos militares, 'conegou' alguns e, no cabo e no porão da “barca de Pedro”, arrumou os ‘soldados rasos’, padres da aldeia e leigos aos molhos sem qualquer poder participativo nesse “Reino para-militar”. E para que em nada se diferenciasse do fastígio das profanas cortes imperiais, estabeleceu núncios e pulverizou-os por tudo quanto era Estado-Nação, não sem antes ter o cuidado de ocultar-lhes as mundanas credenciais sob a doce designação de “núncios apostólicos”. Imaginaria, alguma vez,  Pedro, o pescador da Galileia, ter ao seu serviço embaixadores plenipotenciários por esse mundo fora?...
Estava montado o Sacro Império que, miraculosamente, atravessou vinte séculos de mandato, um ‘invejável’ legado que prenuncia um não menos obeso volume de rara  longevidade planetária. Resta perguntar, em voz baixa e tão frágil que toque o fundo da consciência: “Será fácil ou será mesmo possível encontrar a sombra, sequer, do pobre Nazareno nas costuras de tão arregimentado palácio imperial?”.
Bem se tem esforçado o actual “Guarda-Maior” do Palácio por desentranhar daqueles ‘salões dourados’ o espírito de Jesus. Jamais consegui-lo-á. Pela racional evidência de que Ele não mora ali. Nunca morou. Ele o disse: “Os animais têm as suas tocas, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” E disse o porquê: “Porque o Meu Reino não é deste mundo”
     E se de um falso Rei se pode afirmar que ele vai nu, por que razão não poderá constatar-se uma outra evidência social: “A Rainha também vai nua”.  Por mais requintada e superabundante de formas que se apresente a instituição, enquanto não se converter à autenticidade evangélica, sempre se há-de dizer: Ela vai nua, porque despida da Verdade e da Beleza originais.

23.Nov.19
Martins Júnior

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