É
a vantagem deste fluxo e refluxo dos “Dias Ímpares”: a oportunidade que se nos
oferece de descobrir a beleza escondida por entre as raízes rasteiras que
produzem as altas e copadas árvores. É
este o saboroso fruto que saboreamos quando o nosso olhar se demora naquilo que
parecendo vulgar assume, afinal, o fulgor dos grandes feitos.
Aconteceu
no último fim-de-semana, nas oitavas da festa da patrona oficial da Música, a
famosa e nobre de Roma, Santa Cecília. E aconteceu aqui entre nós, no Palácio
da Arte dos Deuses, o Teatro Baltazar Dias. Foi a coroa real de um império,
cujo poder só produz paz, abraços entre povos e nações, apetências
incomensuráveis em que a própria libido se enlaça em asas de prazer e sublimidade.
É essa a saudável romã que a árvore da Música oferece em dádiva aos caminhantes
do trivial quotidiano. E quando tudo acontece e nasce de mãos polícromas,
variegadas, universais no tempo e no espaço – todas iguais e todas diferentes –
então chegámos ao novo Éden, outrora perdido e agora reconquistado.
Apetecer-me-ia
continuar a discorrer na macia planura da poesia, mas detenho-me para dizer ao
que venho. É meu desejo e meu dever desentranhar do palco do Teatro, transportar
para toda a cidade e toda a ilha o que foi e o que significou o IV Festival
Internacional de Bandolim no Funchal. Talvez se não tenha ainda descoberto o
monumento global que significa este magno evento. Magno, não tanto pela estrutura
do espectáculo e pelo pesado esforço da sua organização, mas precisamente pela
corrente mágica que o segura e lhe dá energia. Quem olhar “com olhos de ver” a génese deste encontro
há-de constatar com espanto e encantamento que ele não nasceu no sumptuoso
palco do poeta cego da cidade, o também dramaturgo Baltazar Dias. Não, este encontro
ou festival vem de mais longe, melhor dito, vem de mais perto. O palco é apenas
uma ponte de passagem para alcançar novos horizontes. Explico: o Festival de
Bandolim nasce das mãos do Povo, gente como nós, do meio rural e do meio
urbano, do chão das aldeias, dos bancos das escolas, das casas do povo, das
humildes associações de base popular,
até atingir o primor das academias superiores. Os executantes, na grande
maioria, são fruto do empenho de líderes naturais, tocados pela magia da arte,
que no silêncio de tardes e noites, tiradas ao lazer de mestres e alunos, se
entregaram apaixonadamente à teoria do solfejo, ao manuseamento paulatino do
instrumento, enfim, à persistência inquebrável de ler e assimilar as obras do
Grandes Génios da composição musical.
Quer
isto dizer que, muito antes de subirem ao palco, os executantes madeirenses
trouxeram consigo toda a riqueza e toda a beleza do Festival, fabricaram-nas
desde casa. Passar pelo palco foi como vestir o fato domingueiro para, no dia
seguinte, voltar à oficina de trabalho, isto é, ao estudo do solfejo, à interpretação
das partituras, enfim, à autêntica cultura de raiz. E é aqui reside toda a
importância ( e toda a atenção às entidades oficiais) no sentido de entenderem que
este encontro não se assemelha a um estampido de fogo de artifício que tão
depressa lampeja no palco como depressa se esfuma e vai para fora da barra. Acontece
com muitos e campanudos Festivais. Mas este espectáculo é diferente: nasce cá e
continua cá, merecendo daí toda a carinho e apoio dos responsáveis pela cultura
regional e local.
Voltando
à estrutura do Programa, os seus organizadores intuíram na perfeição os
objectivos primordiais do Festival: trazer ao palco, dar a conhecer ao grande
público a ciência e a arte que gente nossa, sobretudo jovens e adolescentes,
têm construído na penumbra silenciosa do quotidiano. E, como finis coronat opus (o fim coroa a obra)
ou a ‘cereja em cima do bolo’, apresentar exemplares internacionais, sobretudo
os genuínos músicos italianos na arte do Bandolim, afim de constituírem o
protótipo e um estímulo maior no ânimo de todos os nossos artistas e aspirantes
aos cordofones clássicos.
A
“TCM-Tuna de Câmara de Machico”, da responsabilidade do CCCS-RS (Centro
Cívico-Cultural e Social da Ribeira Seca), saúda a iniciativa, agradece o
convite que lhe foi endereçado e apresenta
a melhor disponibilidade em futuras edições.
Uma
palavra final que perpassa, do princípio ao fim, neste escrito, como o “genérico”
que atravessa todo o texto: o reconhecimento às duas almas (porque com alma e
amor é que isto se faz) que foram os obreiros deste “Grande Concerto” – Norberto
Cruz e Lidiane Duailibi. Sem eles nada disto aconteceria. Por experiência própria,
avalio e ergo bem alto, em tom maior, o seu esforço, dedicação, ‘dores de
cabeça’ e sobressaltos diurnos e nocturnos, para que tudo corresse bem e se
resolvesse no magnífico sucesso que se
viu. Valeu a pena!
E…
“Da Capo”: Começar de novo o próximo Festival!
27.Nov.19
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