Tem
aquele gostinho agridoce da saudade e, no mesmo travo, um fio de fel da
desilusão escorrendo pelos 34 degraus das escadas do velho Hotel Bela Vista, à
Rua do Jasmineiro, Funchal.
Será
amanhã o último dia das Jornadas da Actualização do Clero realizadas no Seminário
Maior do Funchal. Quanto aos conteúdos - em que participam elementos da Igreja
e personalidades da vida social e política regional - dispenso-me de comentá-los, por hoje. Fixo-me
apenas na contemplação daquela velha casa, onde se formaram centenas, talvez
milhares, de jovens madeirenses que hoje ocupam lugares de charneira no
panorama regional, uns como padres diocesanos, outros nas mais diversas esferas profissionais e institucionais.
O
edifício amplo e de excelente implantação numa zona privilegiada da capital,
servido pela envolvente de árvores seculares, desfrutando de uma soberba
captação do corpo e da baía da cidade, foi adquirido pela Diocese nos finais da
década de 50 do século passado. Até aí, tinha sido uma das mais cobiçadas
unidades hoteleiras da Madeira.
A
partir de 1958, instalaram-se os programas e respectiva logística dos Cursos de
Filosofia e Teologia do Seminário Maior do Funchal, fase imediatamente mais
próxima da Ordenação Presbiteral, Pertenci ao grupo instalador, isto é, aos
alunos de Teologia, que “inauguraram” o prédio. Era uma casa senhorial, a um
tempo recatada e buliçosa, amena e dinâmica, onde, além dos estudos clássicos,
desenvolveram-se iniciativas culturais de meritória craveira, quer no desporto,
na música, no teatro. Lembro-me de termos representado, entre outras, a céu
aberto por entre as vetustas árvores de cânfora, as cenas do poema “Finis
Patriae”, de Guerra Junqueiro. Memoráveis eram também os “Fogos de Conselho”
encenados pelos Agrupamentos do Corpo Nacional de Escutas da Madeira. Em suma,
uma mansão de gratas recordações!
Para
curtir as saudades, subi os 34 degraus que levavam ao quarto nº 33, onde fui
inquilino durante quatro anos. Lobriguei, ainda, as dependências contíguas: uma
sala desafogada, um guarda-fato, uma mesa de trabalho, uma pequena estante, uma
cama e um lavatório. Ocorreu-me à lembrança o poema “Colegial” de José Régio - “Esta
mesa onde estudo e me estudo”… Tudo na mesma. Com uma diferença: Tudo vazio!
Perguntei a um dos padres dirigentes o porquê daqueles “desertos” (que eram
antigamente “oásis” vívidos) e a resposta saiu espontânea: “Sabe, é que só
temos um aluno aqui no Seminário”!
Uma
mágoa indescritível. Pese embora a circunstância de haver cerca de 8 a 10 jovens
madeirenses candidatos ao sacerdócio na Universidade Católica de Lisboa, o certo
é que pesa muito mais ver 35 quartos vazios e apenas 1, ao serviço do aluno
único daquela casa. Proporcionalmente, o Seminário tem o dobro de reitores:
dois reitores para um só aluno. Paradoxal!
Tarefa
ingente e não menos inquietante para o recente Prelado que recebeu das mãos dos
seus três antecessores uma paupérrima herança, a que se junta um outro
monumental edifício, o Seminário Menor, em Santa Luzia, hoje a desfazer-se
irremediavelmente! Quem, como eu, ali viveu oito anos ininterruptos, não
consegue ficar de olhos enxutos perante tamanha degradação. Para mim, considero
que a subserviência dos bispos pós-25 de Abril/74 à política governativa
regional (em troca de igrejas e casas paroquiais construídas pelo governo)
arrastou a Dioceses para o desprezo daquilo que lhe pertencia. Não só o
património construído, mas (pior!) o depauperamento da autêntica vivência
cristã, espelhada agora na tremenda desertificação vocacional. Não será, sem
dúvida, a única causa da presente situação, mas seríamos nós ingénuos se não a
contássemos, entre outras.
…”Melhor
fora que a mandassem pràs alminhas”… Não direi o mesmo que a Amália disse da “casa
de penhores”. Mas que é um caso –
pesado, espinhoso, intrigante – para o bispo e para a Diocese (o Povo Católico
da Madeira), lá isso é! Quem ajuda a resolvê-lo?
23.Jan.20
Martins Júnior
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