Momentos
há na história dos povos e na vida das pessoas em que o mundo todo entra em
ebulição dentro do nosso cérebro. É quando surgem de longe, de muito longe,
revérberos estranhos e, como por feitiço, aparecem a falar connosco
personagens, fenómenos, mensagens que, sendo remotas, afiguram-se-nos tão
próximas, tão familiares como se pertencessem à mesa do nosso quotidiano.
Foi hoje. Caíu-nos na estante litúrgica
deste fim-de-semana aquele trágico desespero dos hebreus derrotados, presos e
deportados em tempos de servidão. O desaforo dos israelitas foi tamanho: “Estamos
perdidos, os nossos ossos já estão secos. Já não há mais esperança”. É aí que
se levanta a voz do profeta, em nome de Iahveh: “Eu abrirei os vossos túmulos e
de lá de dentro farei sair os vossos corpos. Porei dentro de vós o meu espírito
e voltareis a viver”. (Ezequiel, 37, 1 e sgs.).
Releio o texto e com um sufoco no peito
estendo os olhos para as centenas, milhares de urnas funéreas, cujo verniz
exterior evoca o olhar lânguido de quem ali espera uma porta aberta para o holocausto “coronado”.
E fico suspenso – e assim ficarei sempre
– atento, eternamente expectante, até que venha o taumaturgo ou, ao menos a sua voz
longínqua, poderosa: “Vou abrir-vos
antes que as chamas vos consumam, porei nos vossos corpos um espírito novo, o
meu espírito. E vivereis”.
Deixo cair o texto e sou eu que caio em
mim.
Jamais
virá Ezequiel. Outro sopro, porém, vindo não sei se das profundezas da terra se
das chamas crepitantes, trouxe-me à razão: “Melhor para ti não morrer que
ressuscitar”!... Se para ressuscitares terás de morrer, então pára, agarra a
vida, estreita-a ao peito e, quanto estiver nos teus braços, não a deixes fugir”.
Pareceu-me,
então, sobrevoar bem perto o eco da mensagem do Nazareno: “Tens aí os
promotores da vida, os trabalhadores da messe, daquela que dá o pão e dá força
e dá saúde. Tens a ciência que eles te oferecem. Tens aí legisladores que te ditam o decálogo
ecológico, a linha recta da ética terapêutica. Segue-os e terás vida, mais vida”.
E
li, então, o que no mais íntimo trazia escrito: “Faz tudo como se tudo
dependesse de ti. Depois, espera tudo como se tudo dependesse do Alto”… “Faz a
tua parte e terás vida, tu e os que contigo habitam”… “Lava as mãos, refresca a
alma no recôndito de ti mesmo, até que passe e morra o anjo exterminador”… “Não
queiras ser suicida, porque se o fores, és também homicida sem apelo nem
agravo, cruel assassino dos teus que habitam a mesma casa comum”…
Entendi,
por fim, a força de um novo mandamento: Viver é melhor que ressuscitar! Se em
cada dia morremos um pouco, também na mesma medida cada dia ressuscitamos!
Segurar a vida, quanto estiver na tua mão, amá-la e prolongá-la --- é obra tua, é contigo
também! Essa é a tua quotidiana ressurreição!
29.Mar.20
Martins Júnior
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