domingo, 29 de março de 2020

“ABRIREI OS VOSSOS TÚMULOS E DE LÁ DE DENTRO FAREI SAIR OS VOSSOS CORPOS”


                                                                      

       Momentos há na história dos povos e na vida das pessoas em que o mundo todo entra em ebulição dentro do nosso cérebro. É quando surgem de longe, de muito longe, revérberos estranhos e, como por feitiço, aparecem a falar connosco personagens, fenómenos, mensagens que, sendo remotas, afiguram-se-nos tão próximas, tão familiares como se pertencessem à mesa do nosso quotidiano.
         Foi hoje. Caíu-nos na estante litúrgica deste fim-de-semana aquele trágico desespero dos hebreus derrotados, presos e deportados em tempos de servidão. O desaforo dos israelitas foi tamanho: “Estamos perdidos, os nossos ossos já estão secos. Já não há mais esperança”. É aí que se levanta a voz do profeta, em nome de Iahveh: “Eu abrirei os vossos túmulos e de lá de dentro farei sair os vossos corpos. Porei dentro de vós o meu espírito e voltareis a viver”. (Ezequiel, 37, 1 e sgs.).
         Releio o texto e com um sufoco no peito estendo os olhos para as centenas, milhares de urnas funéreas, cujo verniz exterior evoca o olhar lânguido de quem ali  espera uma porta aberta para o holocausto “coronado”.  E fico suspenso – e assim ficarei sempre – atento, eternamente expectante, até  que venha o taumaturgo ou, ao menos a sua voz longínqua, poderosa:  “Vou abrir-vos antes que as chamas vos consumam, porei nos vossos corpos um espírito novo, o meu espírito. E vivereis”.
         Deixo cair o texto e sou eu que caio em mim.
Jamais virá Ezequiel. Outro sopro, porém, vindo não sei se das profundezas da terra se das chamas crepitantes, trouxe-me à razão: “Melhor para ti não morrer que ressuscitar”!... Se para ressuscitares terás de morrer, então pára, agarra a vida, estreita-a ao peito e, quanto estiver nos teus braços, não a deixes fugir”.
Pareceu-me, então, sobrevoar bem perto o eco da mensagem do Nazareno: “Tens aí os promotores da vida, os trabalhadores da messe, daquela que dá o pão e dá força e dá saúde. Tens a ciência que eles te oferecem.  Tens aí legisladores que te ditam o decálogo ecológico, a linha recta da ética terapêutica. Segue-os e terás vida, mais vida”.
E li, então, o que no mais íntimo trazia escrito: “Faz tudo como se tudo dependesse de ti. Depois, espera tudo como se tudo dependesse do Alto”… “Faz a tua parte e terás vida, tu e os que contigo habitam”… “Lava as mãos, refresca a alma no recôndito de ti mesmo, até que passe e morra o anjo exterminador”… “Não queiras ser suicida, porque se o fores, és também homicida sem apelo nem agravo, cruel assassino dos teus que habitam a mesma casa comum”…
Entendi, por fim, a força de um novo mandamento: Viver é melhor que ressuscitar! Se em cada dia morremos um pouco, também na mesma medida cada dia ressuscitamos! Segurar a vida, quanto estiver na tua mão,  amá-la e prolongá-la --- é obra tua, é contigo também! Essa é a tua quotidiana ressurreição!
     
         29.Mar.20
Martins Júnior

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