Houvesse
o que houvesse, o dia 31 de Março estava prometido e reservado.
Cinco
séculos - longos, largos, imensos – atados como um feixe de espigas pela mão de um homem maior que os imensos, largos
e longos anos que o separam de nós! Dele
bem poderia ter escrito Luís Vaz de Camões quando cantou “Aqueles que da lei da
morte se vão libertando”. Nascidos na mesma era quinhentista, atravessaram
ambos espessas vagas de infortúnio, embora em mares diversos, erguendo sempre
mais alto o seu grandíloquo talento, a nobre ambição de amar, lutar e deixar
aos vindouros um legado imorredoiro, pleno de autenticidade e humanismo
universalista.
John
Donne viu a luz do dia primeiro em 1571 e entregou o derradeiro no dia último
de Março de 1631, tempo da Quaresma.
Ele
inspirou poetas, romancistas, filósofos, místicos. Percorreu todas as vias que
a encruzilhada da vida lhe dispensou, tocando os altos cumes do fastígio social
e bebendo os cálices da mais funda amargura, acabando, por fim, como todos os génios, na miséria, entregue ao
abrigo dos bons amigos. A sua obra, polimórfica como a sua personalidade, foi
gizada ao estilo classicista da época, ficando notabilizada pela “poesia sensual e realista em sonetos,
poemas religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções, sátiras e
Sermões”. Não será hiperbólico afirmar que Donne reuniu num só tronco todos
os poetas, escritores, historiadores e mestres de retórica, enfim, uma
enciclopédia viva que perdurou até aos nossos dias.
Já
aqui evoquei o famoso poema “For Whom bell tolls”, retomado em 1940 por
Hemingway no romance histórico “Por Quem os Sinos Dobram”. Hoje, porém, quero
referir-me a um outro texto de Donne que define bem a dimensão universal do Homem em toda a história:
“No Man is An Island”. Foi aí que Thomas Merton, nascido em 1915, encontrou o caudaloso filão inspirador para dar
à estampa, já em 1955, a profunda reflexão que tem corrido mundo “Homem Algum É Uma Ilha”.
Que
maior acutilância, que longínquo e arrebatador
sonho profético o deste homem que, a
partir do século XVI, vislumbrou o século XXI e, desde então, brada aos habitantes
deste planeta que para destruir o vírus pandémico que atormenta a humanidade outro
antídoto não há senão o de John Donne: “No
Man is An Island”! Podem os moralistas fabricar outro dogma, podem as
religiões pregar outra prece, podem os políticos legislar outra constituição… que
todos vão beber à mesma nascente e todos vão desaguar à mesma foz: o brado penta-secular
de Donne, retomado por Francisco Papa
numa tarde emocionante de Roma : “Navegamos todos na mesma barca, por isso, ou salvamo-nos todos ou afogamo-nos
todos”.
A
par das suas convicções filosóficas e religiosas (Donne era católico, mas
depois criticou e abandonou a Igreja, tornando-se pastor anglicano, decano da St.Paul’s Cathedral) para além de tudo,
ele verdadeiramente falou Urbi et Orbi,
aos governantes, aos economistas, aos capitalistas, aos empresários, a todos e
a cada um de nós: Chegou a hora decisiva: “Um por Todos e Todos por Um”. pelo
nosso Presente e pelo nosso Futuro, pela nossa Casa Comum e pela nossa Causa
Comum. Só lhe faltou dizer: “Fiquem em casa, Lavem as mãos com sabão. Todos,
todos”!
John
Donne morreu pobre, incompreendido. Como Verdi e Álvares de Nóbrega. As suas
obras só depois da morte conheceram a luz da publicidade. Sucedeu-lhe, como que
em antecipação, o mesmo que a Camões e Pessoa. A mais grata homenagem que lhe
podemos prestar é interiorizar a sua mensagem. E se, nesta altura tão crítica,
teremos de ser uma ilha, isolados dentro da nossa casa, sejamo-lo assumidamente
e em pleno, convictos que há-de chegar o dia do abraço sem fronteiras. E então
faremos a almejada apoteose da grande festa planetária em que todos seremos um só,
jamais nenhum de nós será uma ilha!
31.Mar.20
Martins Júnior
Que análise profunda e transversalmente temporal nos deixa hoje, este HOMEM, de pensamento arrumado, seletivo e de uma escrita vertida em arte inspiradora e contagiante. Comentar esta viagem sobre o legado maior de John Donne, seria manchar de palavras menores e marginais esta taça de mel dourado que, o Rev. Padre Martins, nos serviu, neste último dia do mês de março.
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