terça-feira, 31 de março de 2020

RESERVADO: 1571-1915-2020


                                                        

 Houvesse o que houvesse, o dia 31 de Março estava prometido e reservado.
Cinco séculos - longos, largos, imensos – atados como um feixe de espigas  pela mão de um homem maior que os imensos, largos e longos  anos que o separam de nós! Dele bem poderia ter escrito Luís Vaz de Camões quando cantou “Aqueles que da lei da morte se vão libertando”. Nascidos na mesma era quinhentista, atravessaram ambos espessas vagas de infortúnio, embora em mares diversos, erguendo sempre mais alto o seu grandíloquo talento, a nobre ambição de amar, lutar e deixar aos vindouros um legado imorredoiro, pleno de autenticidade e humanismo universalista.  
John Donne viu a luz do dia primeiro em 1571 e entregou o derradeiro no dia último de Março de 1631, tempo da Quaresma.
Ele inspirou poetas, romancistas, filósofos, místicos. Percorreu todas as vias que a encruzilhada da vida lhe dispensou, tocando os altos cumes do fastígio social e bebendo os cálices da mais funda amargura, acabando, por fim,  como todos os génios, na miséria, entregue ao abrigo dos bons amigos. A sua obra, polimórfica como a sua personalidade, foi gizada ao estilo classicista da época, ficando notabilizada pela “poesia sensual e realista em sonetos, poemas religiosos, traduções do latim, epigramas, elegias, canções, sátiras e Sermões”. Não será hiperbólico afirmar que Donne reuniu num só tronco todos os poetas, escritores, historiadores e mestres de retórica, enfim, uma enciclopédia viva que perdurou até aos nossos dias.
Já aqui evoquei o famoso poema “For Whom bell tolls”, retomado em 1940 por Hemingway no romance histórico “Por Quem os Sinos Dobram”. Hoje, porém, quero referir-me a um outro texto de Donne que define  bem a dimensão universal do Homem em toda a história: “No Man is An Island”. Foi aí que Thomas Merton, nascido em 1915,  encontrou o caudaloso filão inspirador para dar à estampa, já em 1955, a profunda reflexão que tem corrido mundo “Homem Algum  É Uma Ilha”.
Que maior acutilância, que  longínquo e arrebatador sonho profético  o deste homem que, a partir do século XVI, vislumbrou o século XXI e, desde então, brada aos habitantes deste planeta que para destruir o vírus pandémico que atormenta a humanidade  outro antídoto não há senão o de John Donne: “No Man is An Island”! Podem os moralistas fabricar outro dogma, podem as religiões pregar outra prece, podem os políticos legislar outra constituição… que todos vão beber à mesma nascente e todos vão desaguar à mesma foz: o brado penta-secular de Donne, retomado por Francisco Papa  numa tarde emocionante de Roma : “Navegamos todos na mesma barca,  por isso, ou salvamo-nos todos ou afogamo-nos todos”.  
A par das suas convicções filosóficas e religiosas (Donne era católico, mas depois criticou e abandonou a Igreja, tornando-se pastor anglicano, decano da St.Paul’s Cathedral) para além de tudo, ele verdadeiramente falou Urbi et Orbi, aos governantes, aos economistas, aos capitalistas, aos empresários, a todos e a cada um de nós: Chegou a hora decisiva: “Um por Todos e Todos por Um”. pelo nosso Presente e pelo nosso Futuro, pela nossa Casa Comum e pela nossa Causa Comum. Só lhe faltou dizer: “Fiquem em casa, Lavem as mãos com sabão. Todos, todos”!
John Donne morreu pobre, incompreendido. Como Verdi e Álvares de Nóbrega. As suas obras só depois da morte conheceram a luz da publicidade. Sucedeu-lhe, como que em antecipação, o mesmo que a Camões e Pessoa. A mais grata homenagem que lhe podemos prestar é interiorizar a sua mensagem. E se, nesta altura tão crítica, teremos de ser uma ilha, isolados dentro da nossa casa, sejamo-lo assumidamente e em pleno, convictos que há-de chegar o dia do abraço sem fronteiras. E então faremos a almejada apoteose da grande festa planetária em que todos seremos um só, jamais nenhum de nós será uma ilha!

31.Mar.20
Martins Júnior  

1 comentário:

  1. Que análise profunda e transversalmente temporal nos deixa hoje, este HOMEM, de pensamento arrumado, seletivo e de uma escrita vertida em arte inspiradora e contagiante. Comentar esta viagem sobre o legado maior de John Donne, seria manchar de palavras menores e marginais esta taça de mel dourado que, o Rev. Padre Martins, nos serviu, neste último dia do mês de março.

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