No
dia em que os carrilhões do mundo inteiro, sintonizados com Roma, feriram a amplidão do firmamento, adopto o
original do criador da epígrafe, John
Donne, que desde 1623, vem alertando a humanidade com a solene interrogação: Por Quem os Sinos Dobram? Séculos mais
tarde, 1940, Ernest Hemingway respondeu que os sinos de Segóvia dobram a
finados pelas vítimas da guerra civil espanhola.
E os sinos do planeta, desde os
clangorosos acordes das catedrais até aos tímidos repiques das ermidas
serranas, por quem terão eles tangido neste 25 de Março, ao meio dia italiano,
11 horas portuguesas?
Já o sabemos. Por sugestão do Chefe da
Igreja Romana, secundado pelos responsáveis das dioceses, os crentes (católicos
e não católicos) juntaram as vozes ao
bronze sonoro de todo o mundo para, em uníssono, fazer ouvir ao “Pai que estais
nos Céus” uma prece candente a favor da
espécie humana, ameaçada que está pelo violento “Covid-19”. Gesto magnânimo e
abrangente, toque a rebate por uma causa comum, semelhável a tantos outros,
desde a oração cronometrada dos muçulmanos voltados para Meca em nome de Alá,, até à famosa We Are the World que, em
1985, uniu uma plêiade de artistas em torno do Live Aid por África e, em 2010, pela reconstrução do Haiti
devastado pelo sismo. Em tempos de convulsão generalizada, o povo precisa de
alguém que, com autoridade moral e empatia global, levante o ânimo das gentes
contra a superveniente depressão colectiva. Aplausos sem conta para a iniciativa
de Francisco Papa!
Mas não basta. Como em todos os
movimentos de conformação gregária, não basta o efeito multidão em riste, mesmo
que galvanizada no mesmo vértice positivo, humanitário, transcendente. Importa
saber os caminhos para lá chegar. É que pode correr-se o risco de tomar a aparência pela essência, os meios pelos
fins, o ruído pela canção. E no caso em apreço, determo-nos pela oração em
detrimento da acção, perigoso equívoco - sobretudo este e nesta hora! – em que escasseiam
meios, faltam braços e falecem as forças. Têm-se ouvido atentados à fé,
aberrantes barbaridades proferidas com a mesma unção e religiosidade de uma fervorosa
oração. A título de exemplo, aqui no Funchal (via RTP/M), o daquela senhora
que, perante o aviso da autoridade, responde angelicamente: “Quem anda com Deus,
não teme”. Para já não falar naquele “pão de açúcar mascavado de ignorância e
insensatez”, chamado Bolsonaro, que manda encher as igrejas (“evangélicas”) e
quer empurrar as crianças para dentro das salas de aula, porque “em nome de
Deus, esta gripezinha não vai pegar, não”.
Haja Luz! Não obstante o regime teocrático dos
hebreus, Povo de Deus, há um momento decisivo, revolucionário, quando era
imperioso libertar o povo judeu, escravo do Faraó durante 40 anos: não foi o
Deus-Iahveh que se expôs ao ditador egípcio. Ordenou peremptoriamente a Moisés.
“Vai tu! Tu é que vais libertar o Meu Povo”.(Êxodo, 3,10-18).
Poderia aqui citar vários episódios,
considerados milagres saídos das mãos de Jesus. Numa exegese acurada, depressa
se depreende que em 99% dos casos, o próprio Jesus não se outorga a si mesmo a
autoria do fenómeno, mas à iniciativa e ao esforço (fé) do beneficiário: “Foste
tu, foi a tua fé que fez isto, que te salvou”! Outros eventos decisivos da
história universal reafirmam esta tónica. Penso naquela jovem de 19 anos,
Jeanne d’Arc, (n.1431) que não hesitou em tomar a vanguarda do exército contra
os ingleses invasores, tendo sido por isso queimada viva por ordem dos bispos
da Inquisição. Volvidos 500 anos, papa, bispos e cardeais proclamaram-na santa,
Padroeira da França…
Ora
et Labora – foi a constituição que o chamado “Pai da Europa”, São Bento,
ditou à Ordem Cisterciense, cujos membros estiveram nos alicerces
civilizacionais do Velho Continente, na agricultura, na música, no ensino. E o
mesmo lema estará nos códigos de todos aqueles que sentem o sublime intento de
tornar o mundo melhor, mais transparente, limpo, higienizado. A oração-reflexão,
sobretudo em comunidade, dá inspiração e força anímica. Mas os obreiros somos
nós. Ninguém espere que Deus traga lá do alto a vacina messiânica contra o(s)
corona-vírus: o de agora, os do passado e os do futuro.
Tenho para mim (e respeito quem tenha
outra versão) que a Igreja fez mais contra a pandemia, mandando fechar os templos,
suspendendo missas e cerimónias pascais, do que enchendo-as de terços e
responsos rezados pela multidão compacta, gravemente exposta ao “Convid-19”. E
por muito que me doa ofender a crença das almas simples - como as define Guerra
Junqueiro – e, na mesma medida, nada me incomode (antes pelo contrário) atingir
quem interesseiramente use e abuse dessa crença, ouso aqui denunciar e
abertamente declarar: Que ninguém se sirva desta dramática situação para vender
o seu produto, a sua loja, o seu mercado, a sua religião. Acho criminoso explorar
a fragilidade psicológica (quase roçando o pânico) das populações para
propagandear a sua seita, o seu clube, a
sua marca, a sua igreja ou a imagem que tem dentro. Haja Luz! Já não estamos no
obscurantismo medieval.
A este propósito, convido-vos a ler o
manual de boa conduta que nos deixou o Nazareno em Mateus, 6, 26-32; 10, 29;
Lucas 12,30. Radical! Transparente!
Os sinos encheram o mundo de esperança
e optimismo. E mobilizou-nos para a acção, o programa dos responsáveis pelas
nações, as instruções de índole profiláctica e curativa. Sem estas, não há
milagres nem salmos que lá cheguem. Retomando John Donne: Por Quem os Sinos Dobram? – uma elegia inspirada na morte da sua
filha de 18 anos de idade. E uma pergunta, do tamanho do mundo, a que ele próprio respondeu:
“A morte de cada ser
humano diminui-me porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca se preocupem
em saber por quem os sinos dobram. Porque eles dobram…também por ti”!
Também os sinos da nossa comunidade tangeram o
“Hino da Alegria” cujos ecos encheram as encostas do vale, no mesmo abraço
universal e na mesma mensagem: “Faz tu. Ora e labora. Cumpre a tua parte. Fica
em casa. E o vírus dissipar-se-á, por ‘milagre’
ou por encanto”!
25.Mar.20
Martins
Júnior
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