A
pontuação em contraste aberto – interrogação e exclamação – serve de mote para
esta breve glosa em homenagem à condição biológica de “PAI” e ao estatuto social
que se lhe corresponde. Repetindo, mutatis
mutandis, o velho ‘tiro’ publicitário atribuído a Fernando Pessoa – “Primeiro
estranha-se, depois entranha-se” – acrescento que, no fim, até se exclama e
proclama entusiasticamente esta curiosa coincidência entre os dois numerais, em
Março-19.
São
magras as manifestações ao Dia do Pai, comparativamente ao coro polifónico que
emoldura o mavioso Dia da Mãe. Por natural condão da sensibilidade humana, a
Mãe é poesia, o Pai é texto em prosa. A Mãe exprime-se em pétalas de flores e
estrelas. o Pai é chão, é pedra, é ferramenta que dá pão. A Mãe é só ternura, o Pai é força braçal,
é bravura. Sintetizando, a Mãe é o sonho criador, o Pai é a realidade criada,
nua e crua.
No
entanto, é a Paternidade que toma o trono e ali decreta, enquanto a Maternidade
lhe serve de pano de fundo, a tela
ornamental, senão mesmo a serva do rei. Assim na Bíblia o Pai Eterno, assim na
Pérsia o Sátrapa, assim o Imperador na Roma pagã e assim na Roma cristã o Pai
da Cristandade. Não deixa de ser sintomático que, para designar a autoria de
uma grande obra, nunca se nomeia a ‘maternidade de’, mas tão só a paternidade
do livro, da escultura, da arquitectura,
ainda que tais feitos tenham saído das mãos de uma mulher.
Ultrapassando,
porém, os arquétipos que as sucessivas (in)culturas foram imprimindo e marcando
as diferenças de género (homem-mulher, pai-mãe) apraz-me hoje contemplar aquele
tocante quadro de um pai jogando à bola com os filhos, correndo com eles ou,
sentado a seu lado, ‘perdendo tempo’ mas ganhando vida, enquanto os ouve e lhes
responde, enquanto os deixa confrontá-lo e serenamente os esclarece, enquanto
ri e, por vezes, se comove com as peripécias infanto-juvenis que lhes dita a
criatividade imberbe. Situo esta aguarela do quotidiano familiar precisamente
neste dia e nesta fase de vilegiatura laboral, motivada pelo “Covid-19”.
Difícil,
senão mesmo impossível, fugir ao ritmo quase frenético em que nos mergulha e
afoga o organigrama da nossa sociedade, por força do qual o pai sai de manhã
para o local de trabalho, os filhos para a escola, todos separados o dia
inteiro, ficando apenas os ‘restos’ para a noite, antes de dormir, altura em
que a uns e a outros escasseia força e inspiração para o diálogo. Desconheço se
os pais se apercebem do tremendo prejuízo que faz aos filhos este forçado
divórcio coloquial. Mas faz, sobretudo na educação e na vida futura, deixando
invisíveis fracturas no psiquismo e nas atitudes comportamentais dos jovens.
Recordo-me, a título exemplificativo, de uma criança que, à chegada dos pais a
casa, partiu um vaso ornamental de elevado preço. Sendo duramente repreendido, respondeu: ”Foi mesmo para isto que eu parti:
para, ao menos, falarem comigo”. Assustador! Mas tremendamente esclarecedor.
Em
mais um dia do “Covid-19” e Março-19, “Dia
do Pai”, expresso aqui a minha maior homenagem a todos os homens procriadores e
construtores do mundo de amanhã, todos - os do trabalho braçal, do labor
intelectual, do serviço social – deixando-lhes este lembrete singelo mas de uma
energia propulsora na dinâmica do futuro: aproveitai este tempo de defeso para
vos sentirdes de novo crianças, adolescentes e jovens junto dos vossos filhos, com
eles brincando, escutando, cantando, dialogando, numa palavra, amando-os!
Uma
palavra de inexcedível apreço e comoção para com aqueles médicos, profissionais da saúde e respectivos auxiliares que, segundo me foi dito, passam turnos de uma, duas e
até três semanas, sem poder contactar com a família, alguns com filhos menores, só para estarem ao serviço
contínuo, heróico, dos utentes enquanto durarem os efeitos do “Covid-19” nesta
Região.
A
uns e outros:
Que
nunca as mãos lhe doam!
Que
sempre lhes redobre o ânimo!
19.Mar.20
Martins Júnior
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