quinta-feira, 19 de março de 2020

“COVID-19” EM 19, DIA DO PAI ?!


                                                   

A pontuação em contraste aberto – interrogação e exclamação – serve de mote para esta breve glosa em homenagem à condição biológica de “PAI” e ao estatuto social que se lhe corresponde. Repetindo, mutatis mutandis, o velho ‘tiro’ publicitário atribuído a Fernando Pessoa – “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” – acrescento que, no fim, até se exclama e proclama entusiasticamente esta curiosa coincidência entre os dois numerais, em Março-19.
São magras as manifestações ao Dia do Pai, comparativamente ao coro polifónico que emoldura o mavioso Dia da Mãe. Por natural condão da sensibilidade humana, a Mãe é poesia, o Pai é texto em prosa. A Mãe exprime-se em pétalas de flores e estrelas. o Pai é chão, é pedra, é ferramenta que dá  pão. A Mãe é só ternura, o Pai é força braçal, é bravura. Sintetizando, a Mãe é o sonho criador, o Pai é a realidade criada, nua e crua.
No entanto, é a Paternidade que toma o trono e ali decreta, enquanto a Maternidade  lhe serve de pano de fundo, a tela ornamental, senão mesmo a serva do rei. Assim na Bíblia o Pai Eterno, assim na Pérsia o Sátrapa, assim o Imperador na Roma pagã e assim na Roma cristã o Pai da Cristandade. Não deixa de ser sintomático que, para designar a autoria de uma grande obra, nunca se nomeia a ‘maternidade de’, mas tão só a paternidade do livro, da escultura,  da arquitectura, ainda que tais feitos tenham saído das mãos de uma mulher.
Ultrapassando, porém, os arquétipos que as sucessivas (in)culturas foram imprimindo e marcando as diferenças de género (homem-mulher, pai-mãe) apraz-me hoje contemplar aquele tocante quadro de um pai jogando à bola com os filhos, correndo com eles ou, sentado a seu lado, ‘perdendo tempo’ mas ganhando vida, enquanto os ouve e lhes responde, enquanto os deixa confrontá-lo e serenamente os esclarece, enquanto ri e, por vezes, se comove com as peripécias infanto-juvenis que lhes dita a criatividade imberbe. Situo esta aguarela do quotidiano familiar precisamente neste dia e nesta fase de vilegiatura laboral, motivada pelo “Covid-19”.  
Difícil, senão mesmo impossível, fugir ao ritmo quase frenético em que nos mergulha e afoga o organigrama da nossa sociedade, por força do qual o pai sai de manhã para o local de trabalho, os filhos para a escola, todos separados o dia inteiro, ficando apenas os ‘restos’ para a noite, antes de dormir, altura em que a uns e a outros escasseia força e inspiração para o diálogo. Desconheço se os pais se apercebem do tremendo prejuízo que faz aos filhos este forçado divórcio coloquial. Mas faz, sobretudo na educação e na vida futura, deixando invisíveis fracturas no psiquismo e nas atitudes comportamentais dos jovens. Recordo-me, a título exemplificativo, de uma criança que, à chegada dos pais a casa, partiu um vaso ornamental de elevado preço. Sendo duramente repreendido,  respondeu: ”Foi mesmo para isto que eu parti: para, ao menos, falarem comigo”. Assustador! Mas tremendamente esclarecedor.
Em mais um dia do “Covid-19”  e Março-19, “Dia do Pai”, expresso aqui a minha maior  homenagem a todos os homens procriadores e construtores do mundo de amanhã, todos - os do trabalho braçal, do labor intelectual, do serviço social – deixando-lhes este lembrete singelo mas de uma energia propulsora na dinâmica do futuro: aproveitai este tempo de defeso para vos sentirdes de novo crianças, adolescentes e jovens junto dos vossos filhos, com eles brincando, escutando, cantando, dialogando, numa palavra, amando-os!
Uma palavra de inexcedível apreço e comoção para com aqueles médicos, profissionais da saúde e  respectivos auxiliares que, segundo me foi dito, passam turnos de uma, duas e até três semanas, sem poder contactar com a família, alguns com  filhos menores, só para estarem ao serviço contínuo, heróico, dos utentes enquanto durarem os efeitos do “Covid-19” nesta Região.
A uns e outros:
Que nunca as mãos lhe doam!
Que sempre lhes redobre o ânimo!
19.Mar.20
Martins Júnior
     
     


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