domingo, 19 de abril de 2020

PARADOXOS DE UMA ENCRUZILHADA: DOMINGO-19 e COVID-19


                                                       



Ao fim de um Dia de Domingo, dois hemisférios opostos envolvem e contraem o melhor de mim mesmo, num misto de mágoa e sublimação, de tristeza e alegria. Vagas de pessimismo e jactos ascendentes de optimismo fazem refluxo interminável dentro de mim. Sentindo embora os dolorosos batentes de uma desilusão não-anunciada, confortar-me-ei com o bálsamo perene da esperança que não morre. Porque aquela é transitória e esta é duradoura, libertadora, eternamente vitoriosa.
A primeira consiste no manto de dor que cobriu a  população de Câmara de Lobos, terra de pescadores, afagada pela maresia ribeirinha e que, por isso, chamo-lhe sempre freguesia-irmã gémea de Machico. Após tanto esforço  dos seus moradores para manter incólume o território, eis que “no mais fino pano cai a nódoa”  - a nódoa do corono-vírus. Tirânica coincidência esta: em Domingo-19 cai-lhes em cima o traiçoeiro ‘Covid19”.  Para toda a população câmara-lobense, uma palavra de esperança e uma mancheia de primaveras saudáveis nos dias do amanhã.
A outra metade de mim mesmo é precisamente a Esperança de um mundo outro, um mundo novo como aquele que hoje, pela manhã, foi reaberto na páginas do “Livro”, onde se narra a radical mudança dos homens e mulheres que aderiram ao sonho inacabado de Jesus de Nazaré, O Ressuscitado. Radical metamorfose, sublinho, das mentalidades e das atitudes comportamentais. Para não empanar o brilho-virgem dessa atmosfera sem par na história da Humanidade, transcrevo do original:
“Eles (os primeiros cristãos) viviam em união fraterna. Tinham tudo em comum. Chegavam a vender as suas propriedades e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um. Tinham uma só alma  e, por isso, tomavam o alimento com alegria e sinceridade de coração” (Actos, 2, 42,sgs).
Que nome dareis vós a este módulo sócio-económico ou a este patamar civilizacional? Certamente, chamareis “era solidária”… paz social … justiça distributiva igualitária… E porque “Eles tinham tudo em comum”,  haverá talvez quem (para o bem ou para o mal)  classifique o caso como de “ideologia comunista, marxista-leninista” e quejandos…
            Digam lá o que disserem, eu vejo nesse cenário novo um único lampejo e uma única definição: RESSURREIÇÃO! Poderia bem escrever-se em título e subtítulo dessa página apenas isto: “Jesus Ressuscitou, Aleluia”!  Esses homens e mulheres que beberam na nascente a mensagem do Nazareno, o  programa fundamentante, direi, constitucional, de toda a Sua vida – esses homens e mulheres, sem alardes publicitários nem protocolos litúrgicos, apenas “com alegria e sinceridade de coração”, proclamavam que Ele estava vivo,  porque o Seu programa salvífico estava a ser cumprido. Imagino que O Ressuscitado ter-se-á sentido mais feliz nas atitudes daquela comunidade do que por mil aleluias que lhe cantassem na mais requintada catedral do mundo. Já o disse e tenho gosto em reafirmá-lo: Creio que mais importante que a ressurreição física de Jesus é a vivência do Seu ideário e da Sua mensagem.
Mas há quem opte por outra definição, mais austera e radical: REVOLUÇÃO! É o eloquente dominicano Albert Nolan, nos seus escritos, entre os quais “JESUS HOJE”. Depois de definir que “uma revolução social é aquela que inverte as relações sociais existentes entre as pessoas de determinada sociedade”, afirma peremptoriamente que “Jesus pegou nos valores da sua época, em toda a sua variedade, e inverteu a sua ordem. A sua revolução social apelava a uma profunda conversão espiritual”. Teve mesmo Alvert Nolan a ousadia de dizer  que “o revolucionário Jesus virou o mundo do avesso”.
Com efeito, a revolução mais poderosa não é aquela que provém da força física ou do braço armado ou da lei prescrita, mas sim aquela que nasce do espírito. “Não há machado que a corte”. O agir social daqueles homens e mulheres não era ditado por qualquer legislação oficial, nem havia ministérios de Segurança do Estado. Brotava do mais íntimo de si próprios – da convicção que esse agir constituía o verdadeiro testemunho da Ressurreição do Mestre.
Termino o dia e encerro a minha reflexão, voltando-me para o drama dos que sofrem. Não só os de hoje, mas os de ontem e os de amanhã. Diante do agravamento da situação, olho para as vítimas e fixo-me nos cuidadores, os profissionais da saúde, do mais alto ao mais humilde: Coragem! Debruçados sobre os suplicantes da vida que tendes nas mãos, vós estais tornando Jesus Ressuscitado. E os que morreram vítimas da sua profissão ao serviço dessa Ressurreição, para esses há um lugar de privilégio entre os mártires no altar do Futuro. Bem hajam!

19.Abr.20
Martins Júnior

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