Ao
fim de um Dia de Domingo, dois hemisférios opostos envolvem e contraem o melhor
de mim mesmo, num misto de mágoa e sublimação, de tristeza e alegria. Vagas de
pessimismo e jactos ascendentes de optimismo fazem refluxo interminável dentro
de mim. Sentindo embora os dolorosos batentes de uma desilusão não-anunciada,
confortar-me-ei com o bálsamo perene da esperança que não morre. Porque aquela
é transitória e esta é duradoura, libertadora, eternamente vitoriosa.
A
primeira consiste no manto de dor que cobriu a
população de Câmara de Lobos, terra de pescadores, afagada pela maresia
ribeirinha e que, por isso, chamo-lhe sempre freguesia-irmã gémea de Machico. Após
tanto esforço dos seus moradores para
manter incólume o território, eis que “no mais fino pano cai a nódoa” - a nódoa do corono-vírus. Tirânica
coincidência esta: em Domingo-19 cai-lhes em cima o traiçoeiro ‘Covid19”.
Para toda a população câmara-lobense, uma
palavra de esperança e uma mancheia de primaveras saudáveis nos dias do amanhã.
A
outra metade de mim mesmo é precisamente a Esperança de um mundo outro, um
mundo novo como aquele que hoje, pela manhã, foi reaberto na páginas do “Livro”,
onde se narra a radical mudança dos homens e mulheres que aderiram ao sonho inacabado
de Jesus de Nazaré, O Ressuscitado. Radical metamorfose, sublinho, das
mentalidades e das atitudes comportamentais. Para não empanar o brilho-virgem
dessa atmosfera sem par na história da Humanidade, transcrevo do original:
“Eles (os primeiros
cristãos) viviam em união fraterna. Tinham tudo em comum. Chegavam a vender as
suas propriedades e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo
com as necessidades de cada um. Tinham uma só alma e, por isso, tomavam o alimento com alegria e
sinceridade de coração” (Actos, 2, 42,sgs).
Que
nome dareis vós a este módulo sócio-económico ou a este patamar civilizacional?
Certamente, chamareis “era solidária”… paz social … justiça distributiva igualitária…
E porque “Eles tinham tudo em comum”, haverá
talvez quem (para o bem ou para o mal) classifique o caso como de “ideologia
comunista, marxista-leninista” e quejandos…
Digam lá o que disserem, eu vejo
nesse cenário novo um único lampejo e uma única definição: RESSURREIÇÃO! Poderia
bem escrever-se em título e subtítulo dessa página apenas isto: “Jesus
Ressuscitou, Aleluia”! Esses homens e
mulheres que beberam na nascente a mensagem do Nazareno, o programa fundamentante, direi, constitucional,
de toda a Sua vida – esses homens e mulheres, sem alardes publicitários nem
protocolos litúrgicos, apenas “com
alegria e sinceridade de coração”, proclamavam que Ele estava vivo, porque o Seu programa salvífico estava a ser
cumprido. Imagino que O Ressuscitado ter-se-á sentido mais feliz nas atitudes
daquela comunidade do que por mil aleluias que lhe cantassem na mais requintada
catedral do mundo. Já o disse e tenho gosto em reafirmá-lo: Creio que mais
importante que a ressurreição física de Jesus é a vivência do Seu ideário e da
Sua mensagem.
Mas
há quem opte por outra definição, mais austera e radical: REVOLUÇÃO! É o
eloquente dominicano Albert Nolan, nos seus escritos, entre os quais “JESUS
HOJE”. Depois de definir que “uma revolução social é aquela que inverte as
relações sociais existentes entre as pessoas de determinada sociedade”, afirma
peremptoriamente que “Jesus pegou nos valores da sua época, em toda a sua
variedade, e inverteu a sua ordem. A sua revolução social apelava a uma
profunda conversão espiritual”. Teve mesmo Alvert Nolan a ousadia de dizer que “o revolucionário Jesus virou o mundo do
avesso”.
Com
efeito, a revolução mais poderosa não é aquela que provém da força física ou do
braço armado ou da lei prescrita, mas sim aquela que nasce do espírito. “Não há
machado que a corte”. O agir social daqueles homens e mulheres não era ditado
por qualquer legislação oficial, nem havia ministérios de Segurança do Estado.
Brotava do mais íntimo de si próprios – da convicção que esse agir constituía o
verdadeiro testemunho da Ressurreição do Mestre.
Termino
o dia e encerro a minha reflexão, voltando-me para o drama dos que sofrem. Não
só os de hoje, mas os de ontem e os de amanhã. Diante do agravamento da
situação, olho para as vítimas e fixo-me nos cuidadores, os profissionais da
saúde, do mais alto ao mais humilde: Coragem! Debruçados sobre os suplicantes
da vida que tendes nas mãos, vós estais tornando Jesus Ressuscitado. E os que
morreram vítimas da sua profissão ao serviço dessa Ressurreição, para esses há
um lugar de privilégio entre os mártires no altar do Futuro. Bem hajam!
19.Abr.20
Martins Júnior
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