Não sei que outros nomes dar-se-iam a
este nova-velha arquitectura da escola. Digo “velha” porque ela viveu tempos
áureos há cerca de meio século – a então inovadora e, por isso, novíssima Telescola
- e agora reincarnou, trazida pela
aragem do malfadado 'insecto' coronovírico.
Ela aí está. E já navega, desde ontem,
ancorando em cada minúsculo ilhéu habitado da nossa Região, fazendo de cada
casa uma escola local dentro da grande escola global. À maneira dos sábios marinheiros,
velhos lobos do mar, que têm o “engenho e a arte” de transformar os ventos
contrários em força motriz para levar a nau a bom porto, assim também faremos a
magia e o talento de captar este aparente retrocesso do modelo escolar e
transformá-lo em reserva de ouro, ainda por explorar, no tocante a valores
pedagógicos e civilizacionais.
Em andamento breve, peço para nos
acompanharmos neste percurso exploratório, tentando descobrir tesouros
escondidos neste imprevisto ‘presente forçado’ do ensino à distância. Uma
escola fora da escola! Não obstante todos os constrangimentos (e são muitos) do novo
modelo, há que olhar, com olhos-de-ver, para desfrutarmos daquilo que não se
vê.
Comecemos pelas respostas que os alunos
têm dado aos jornalistas que os entrevistaram neste primeiro dia de aulas. A
nota mais impressiva que lhes ouvimos, e sempre repetida foi, sem mais rodeios:
“Sentimos que temos mais AUTONOMIA”!
Relevo-o em maiúsculas este vocábulo, porque na boca de jovens e adolescentes, ele tem uma
força maior, equiparável às outras autonomias constitucionais tão badaladas nos
corredores do poder. Ganhar Autonomia no estudo e, sobremaneira, numa idade de
crescimento, significa a assunção de valores e perspectivas conducentes à
construção do futuro. Significa interiorizar a sede do “Saber, do Aprender, do
Fazer, do Ser”, como afirmou um dia Jacques Delors, a propósito da actividade
escolar. Daí nasce o auto-domínio, fruto de uma exigência pessoal, intrínseca.
É como que um ‘estágio’ do que mais tarde será o modelo universitário, em que o
aluno estará entregue a si mesmo. Parabéns, adolescentes e jovens, pela vossa
Autonomia!
Pego nas palavras daquele que foi o
grande timoneiro da União Europeia – “Saber, Aprender, Fazer, enfim, Ser” –
para descobrir uma outra jóia escondida no novo processo de aprendizagem, a
qual consiste em proporcionar ao “aprendiz da vida” um ambiente ecológico em
que ele cresça, natural e harmonicamente, munindo-se das ferramentas
indispensáveis a uma boa entrada na grande sociedade.
Sem
dar total crédito a Jean Jacques Rousseau – “O homem nasce bom, a sociedade é
que o corrompe” – não restam dúvidas que é no seio familiar que se moldam
originariamente o futuro homem e a futura mulher. Em síntese, refiro-me à
necessária osmose entre educação e instrução, a omnipotente união entre Família
e Escola. Suponho não ofender ninguém se trouxer aqui à colação uma das muitas
causas do insucesso escolar: o divórcio entre Pais e Professores, entre Família
e Escola. Tantas e muitas outras vezes, temos ouvido, em forma de labéu
acusatório, que “a escola não pode ser vista como um depósito de crianças e
jovens”. Horrível e nauseabunda expressão: Depósito!... De objectos, de
embrulhos, de encomendas postais. E depois, os professores que se aguentem!...
Ora,
é precisamente na conjuntura actual que eu vejo uma oportunidade de ouro, para
que os pais em casa vejam, repito, “com olhos-de-ver”, a massa de que o seu
filho e a sua filha se alimentam na quase totalidade do dia, desde que partem,
manhã cedo, para a escola. Mesmo que não
consigam acompanhar os conteúdos e os programas escolares, a sua presença é a de um
anjo tutelar (não um espião em riste), mas um polo aglutinador e inspirador da
educação-instrução, o binómio galvanizador de um jovem, candidato ao mundo de
amanhã.
É
manifesto que a componente social fará parte integrante da personalidade do
aluno e, daí, a convivialidade resultante da aprendizagem colectiva no meio
escolar. Por isso que o ensino-à-distância será transitório. Mas enquanto
durar, saibam os intervenientes recolher e estimar a “nata” destes dias que
ficarão inesquecíveis na sua memória. Só se dá valor àquilo que se perde. Os
alunos já terão certamente saudades da sua escola, da sua Professora. Esta
tê-las-á dos seus alunos. Simultaneamente, a falta que faz uma mãe na sala de
aulas ou um pai no pátio do recreio e nas horas livres…
Faço
votos que este tempo novo se traduza numa verdadeira “Universitas” do Saber, do
Aprender, do Fazer e, sobretudo, do Ser –
uma época histórica da Universidade da Vida!
21.Abr.20
Martins Júnior
Sem comentários:
Enviar um comentário