sexta-feira, 1 de maio de 2020

A HERANÇA DO TRABALHADOR


                                    

Era o tempo da infância do tempo primeiro
Quando o Demiurgo sem Tempo
Troou solene ao único herdeiro:
“Astros e mares
Terras lumes  e ares
Tudo é teu
O meu braço intangível
O fez e to deu
Eu sou o Presente já passado
Tu és o presente Futuro
Agora
É tua a foice, a selva e teu é o arado
Agora
É a tua parte
Quero vê-la
E mais tarde perguntar-te
Quanto fizeste dela
Da minha herança:
Se um antro onde te afundam e devoram
Se a alta montanha de onde o meu Império se alcança”

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“Eis-me aqui - rei sem trono atado ao cepo vil
Depois de ter subido caído reerguido
Todos os ares, lumes e mares vezes mil
A antiga herança que me deste

Fiz  da montanha agreste
Hortos de amor colinas de saudade
No chão frágil do tempo
Espelhos de eternidade
Cavei rios onde  dançavam trigais como poemas
Saídos das tuas mãos
Das pontes que lhes fiz
Via-se o pesponto das varandas do teu país

Mas um dia
Maldita foi essa manhã
Ou rasto de serpente ou garra de Satã
Bebeu todo o suor
Com que eu regava a terra
E do ventre dela antes materno
Brotaram poalhas de ouro e prata
Logo fundidas em arsenal de inferno
Que tudo arrasa e tudo mata.
Das árvores pão e pomar que plantei
Cascaram papel sonante comido às dentadas
Roubado à mesa das lareiras apagadas

 Eis-me aqui, rei sem trono  herdeiro proscrito
Torceram-me os braços em arame farpado
E o coração antes ardente apaixonado
Ficou mais duro que o granito
Que não conhece irmão nem o sente ao seu lado

Milénios de socalcos moldaram os meus pés de Operário
Sobre a madrugada doadora
Daquela herança que ainda aqui mora

Esgotámo-nos e esgotámo-la
Desfigurámo-la e já não a reconheces
Oh Demiurgo sem Tempo

Quero voltar à infância do tempo primeiro
Nas asas do invisível mensageiro
Que aí vem

Operários de um Tempo Futuro
Voltemos à Terra-Mãe”

Dia do Operário - 01.Maio.20
Martins Júnior

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