Hoje
não há mesmo palavras. Palavra nenhuma daquelas que eu tinha guardado para voar
mais alto. Mas hoje, tal como às “asas brancas” de Almeida Garrett, as minhas
também olharam para a terra, pesaram e caíram. E por aqui fiquei mudo, exausto,
perdido entre estrelas cadentes e olhando a abóbada dos astros que não caem.
Neste nó cego da transição de uma
semana para outra, esqueceu-se o ‘coronavírus’, descontaram-se as estatísticas,
a reabertura de praias e mercados, até as igrejas e a Peregrina de Fátima. Em
Portugal bateu-nos em cima da cabeça e estrangulou-nos garganta e coração o
tumultuoso silêncio da Atouguia. Digo silêncio, porque é tal o estouro que não
nos deixa falar. Encham, porém, desse negrume os jornais, as redes sociais, as
anti-sociais e as criminais, que eu. por mim, deixo-me ficar parado, gelado, olhando as Sete Crianças
deste meio-Maio.
Olho as três visionárias que projectaram
no mundo o firmamento da Cova da Iria. E no mesmo lance vejo, atiradas para um
abismo de tormentas, outras três Crianças, irmãs indefesas dentro de um antro
de fogo e lágrimas.
O mais doloroso – Oh visão macabra e enternecedora, jamais
vista! – é que não me sai da retina a Sétima Criança, uma estrela suspensa
entre o céu delas e o inferno dos homens:
a Valentina! Estrela morta, mas de um brilho inextinguível que penetra como um grito a arder na consciência colectiva
de toda a humanidade, na hedionda história da crueldade humana: “PORQUÊ?”… MAS
PORQUÊ?”.
Entrechocam-se dentro de mim os mais
contraditórios caminhos da infância e para a infância, abalam-me os raios
faiscantes com que neste planeta se fulmina uma Criança logo à nascença. Desde
o berço dela, aguardam-na monstros de fauces abertas preparadas para devorá-la…
Rousseau acode e avisa: “O homem nasce
bom, a sociedade é que o corrompe”. Por isso alguém já entendeu que “Para amar
e educar uma Criança é preciso uma aldeia inteira”, toda a cidade, o mundo todo.
E Louis Pasteur vaticinava o futuro da Criança quando escreveu: “Diante de uma
Criança sinto-me cheio de ternura por aquilo que ela é, mas cheio de respeito
por aquilo que poderá vir a ser”.
Faço minhas essas palavras e repito-as
sempre aos pais, padrinhos e participantes no acto do baptismo de uma Criança,
E acrescento: “O baptismo da Igreja pode esperar. O que a
Criança não pode esperar, desde o primeiro instante, é o baptismo dos pais na
vida de cada dia – educação, saúde, amor, cultura, respeito, fraternidade.”!
Nesta noite, não quero mais palavras.
Vou ficar de pupilas abertas fitando o olhar dessa estrela, suspensa entre o
céu e a terra, que me interpela como juiz supremo: “Que fazes tu para que
jamais se repita este crime?... Que farás tu pelos meus três irmãos da
Atouguia?... Pelos teus e meus irmãos do mundo todo?” ...
11.Mai.20
Martins
Júnior
Belissimo texto, pleno de sensibilidade.
ResponderEliminarQue esta profunda e incondicional compaixão se eleve como uma oração.
Estamos todos indignados!
Quando se calarem todas as vozes e tudo ficar em ruínas que se levante o amor... quando os gestos grotescos do desamor se levantarem no arremesso das palavras, que se arranquem todas as línguas se acorrentem os braços nas ações para que haja tempo de se salvarem de si mesmos.
Descansa em paz Valentina!