segunda-feira, 11 de maio de 2020

ESTE MAIO DAS SETE CRIANÇAS: 3 NO OLIMPO, 3 NO “ABISMO” E 1 ESTRELA NO MEIO DELAS


                                                           

            Hoje não há mesmo palavras. Palavra nenhuma daquelas que eu tinha guardado para voar mais alto. Mas hoje, tal como às “asas brancas” de Almeida Garrett, as minhas também olharam para a terra, pesaram e caíram. E por aqui fiquei mudo, exausto, perdido entre estrelas cadentes e olhando a abóbada dos astros que não caem.
         Neste nó cego da transição de uma semana para outra, esqueceu-se o ‘coronavírus’, descontaram-se as estatísticas, a reabertura de praias e mercados, até as igrejas e a Peregrina de Fátima. Em Portugal bateu-nos em cima da cabeça e estrangulou-nos garganta e coração o tumultuoso silêncio da Atouguia. Digo silêncio, porque é tal o estouro que não nos deixa falar. Encham, porém, desse negrume os jornais, as redes sociais, as anti-sociais e as criminais, que eu. por mim, deixo-me  ficar parado, gelado, olhando as Sete Crianças deste meio-Maio.
         Olho as três visionárias que projectaram no mundo o firmamento da Cova da Iria. E no mesmo lance vejo, atiradas para um abismo de tormentas, outras três Crianças, irmãs indefesas dentro de um antro de fogo e lágrimas.
         O mais doloroso  – Oh visão macabra e enternecedora, jamais vista! – é que não me sai da retina a Sétima Criança, uma estrela suspensa entre o céu delas  e o inferno dos homens:  a Valentina! Estrela morta, mas de um brilho inextinguível que penetra como um grito a arder na consciência colectiva de toda a humanidade, na hedionda história da crueldade humana: “PORQUÊ?”… MAS PORQUÊ?”.
         Entrechocam-se dentro de mim os mais contraditórios caminhos da infância e para a infância, abalam-me os raios faiscantes com que neste planeta se fulmina uma Criança logo à nascença. Desde o berço dela, aguardam-na monstros de fauces abertas preparadas para devorá-la…
         Rousseau acode e avisa: “O homem nasce bom, a sociedade é que o corrompe”. Por isso alguém já entendeu que “Para amar e educar uma Criança é preciso uma aldeia inteira”, toda a cidade, o mundo todo. E Louis Pasteur vaticinava o futuro da Criança quando escreveu: “Diante de uma Criança sinto-me cheio de ternura por aquilo que ela é, mas cheio de respeito por aquilo que poderá vir a ser”.
         Faço minhas essas palavras e repito-as sempre aos pais, padrinhos e participantes no acto do baptismo de uma Criança, E acrescento: “O baptismo da Igreja pode esperar.  O  que a Criança não pode esperar, desde o primeiro instante, é o baptismo dos pais na vida de cada dia – educação, saúde, amor, cultura, respeito, fraternidade.”!
         Nesta noite, não quero mais palavras. Vou ficar de pupilas abertas fitando o olhar dessa estrela, suspensa entre o céu e a terra, que me interpela como juiz supremo: “Que fazes tu para que jamais se repita este crime?... Que farás tu pelos meus três irmãos da Atouguia?... Pelos teus e meus irmãos do mundo todo?” ...

         11.Mai.20
         Martins Júnior
        

1 comentário:

  1. Belissimo texto, pleno de sensibilidade.

    Que esta profunda e incondicional compaixão se eleve como uma oração.

    Estamos todos indignados!

    Quando se calarem todas as vozes e tudo ficar em ruínas que se levante o amor... quando os gestos grotescos do desamor se levantarem no arremesso das palavras, que se arranquem todas as línguas se acorrentem os braços nas ações para que haja tempo de se salvarem de si mesmos.

    Descansa em paz Valentina!

    ResponderEliminar