Darei hoje, não um ponto final, mas um compasso de espera
na grande partitura do seu Legado. Muitas são as linhas cruzadas em que os nossos
caminhos se encontraram: desde os bancos da escola, o curso de Teologia, até ao
desdobrar das lides pastorais e das lutas sociais, o magistério nos
estabelecimentos de ensino, os forçados anos de capelania militar em África,
depois a paroquialidade em zonas rurais e até a passagem pelo parlamento
regional. A este propósito, julgo necessário revelar, alto e bom som, a
motivação da sua opção pelo partido em que se integrou, como independente, na
Assembleia Regional. O próprio nos confidenciou, por mais de uma vez: “O escândalo que muita gente viu na minha opção política foi precisamente para
combater o escândalo maior que foi a nota pastoral do bispo Teodoro, quando
comparou o pedófilo padre Frederico a Jesus pregado na cruz. Blasfemo,
insuportável”, clamava Padre Tavares.
Nesta data evocativa de meio século e
mais um ano da minha entrada na Ribeira
Seca e após o ataque de um contingente de 70 polícias armados ao seu modesto
templo, em 27 de Fevereiro de 1985, Padre Tavares foi a única voz que se
levantou na ilha contra tamanho sacrilégio. Escreveu uma carta aberta ao bispo
(mais que uma carta foi uma histórica e tremenda ‘catilinária’) da qual recorto
aqui alguns excertos, com a foto da época:
“PARA ESTAR COM O BISPO, É PRECISO
QUE O BISPO ESTEJA COM CRISTO”
“Paróquia de São Tiago, 10 de Março
de 1985
Ex.mo
e Rev.mo Senhor Dom Teodoro Faria
Com
imensa mágoa e depois de muita oração e de muito reflectir, eu, Padre da
Diocese e com responsabilidades de uma paróquia, escrevo para lhe dizer que V. Rev.ma
prestou um mau serviço à Igreja de Cristo com o seu proceder para com a
comunidade da Ribeira Seca. Faço-o de modo público, porque o acto foi público e
só publicamente se pode desgravá-lo.
Uma comunidade tem o
direito de ser livre, de ter a sua actividade religiosa, mesmo que o Bispo não
goste. É um direito, inscrito no nº18 dos DIREITOS DO HOMEM e na Encíclica “Pacem in terris” de João XXIII
e ainda no Concílio Vaticano II, “Gaudium et Spes”, nº26. O Senhor Bispo
poderia reclamar o direito da igreja e casa paroquial. Mas quem construiu
aqueles espaços senão o povo que reclama para si o direito de celebrar o seu
amor para com o Senhor e quer responsabilizar-se por isso? Um Bispo que se
apresenta como um proprietário diante de uma comunidade destrói a sua figura de
representante dos Apóstolos que viveram sem bens, mas cheios de Verdade, Amor e
Sacrifício e no meio dos pobres.
Todos
sabemos que o problema se gerou com a actividade política do Padre Martins. Mas
porventura a Ilha da Madeira conheceu algum político mais activo do que o D.
Francisco Santana, enquanto Bispo do Funchal?... É verdade que não ocupou nenhum cargo político
na Madeira, mas a actividade sempre a teve. E até a cadeira lhe foi concedida
no Parlamento Regional.
E
V. Rev.ma conhece algum órgão de comunicação social com maior informação
político-partidária que o “Jornal da Madeira”. órgão da Diocese com um
sacerdote à sua frente?
Sou
forçado também a reconhecer que este proceder na Ribeira Seca foi um acto
político oportunisticamente aproveitado por V. Rev.ma e muito bem explorado pelo Partido
Governante.. No dia 27 de Fevereiro, uma força policial “recuperou” a Igreja da
Ribeira Seca, para entregá-la ao seu “proprietário”, conforme pedido formulado
pela Diocese, na base do Artigo II da Concordata entre o Estado “Santa Sé” e o
Estado “República Portuguesa”.
Não houve nem uma
palavra de Evangelho! Pareciam dois ladrões que se juntaram para fazer um
assalto e repartir os despojos.
…………..
Pela
Idade Média além, a Igreja, com o mandamento ‘Não matarás’ muita gente matou na fogueira e de outros modos para a
manutenção da sua Ordem, da sua Unidade. Nestas coisas, a Autoridade Eclesiástica
não gosta que se fale, porque a ignorância dos crimes passados faz com que se
não dê pelos crimes presentes.
Fala-se
da não violência, ataca-se a Teologia da Libertação. E no entanto
V. Rev.ma, Senhor Bispo, aparece armado!... Que grande contra-testemunho!
Tantos e tantos do meio do povo, convictos da
VERDADE DE CRISTO, imprimem no seu viver uma doação extraordinária pela sua
Liberdade e Amor. Se soubessem de tanto lixo que a Igreja transporta, como
ficariam escandalizados!...
Neste mundo, para
compreendermos o sacrifício de Jesus de Nazaré, temos como imagem a História da
Ribeira Seca. Que, pelo menos, Senhor Bispo, surja o sinal da Redenção.
Ao
mesmo tempo que é um veemente libelo acusatório, o presente documento assume-se
como um permanente alerta a toda a Igreja, em especial à Igreja Madeirense e
aos seus titulares responsáveis. Como cantou uma voz da Intervenção Pública,
Francisco Fanhais, também com ele (e com o Padre Tavares) repetimos: “Vimos,
Ouvimos e Lemos, Não podemos ignorar”!
21.Jun.20
Martins Júnior
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