Chega
o Domingo e o sol encima o pico da montanha para iluminar toda a semana. Enquanto
lá fora os farrapos do anunciado furacão
“Theta” cobrem de negrume e chuva a paisagem, dentro de mim e, decerto, de
muitos e muitos companheiros de jornada, surgem apelos de esperança e optimismo
para os sete dias e sete noites que se seguem. Apelos, toques de clarim que
advêm do Livro em cada domingo do ano.
É,
sem dúvida, uma inspirada ode à
liderança da Mulher o texto do “Livro dos Provérbios”, (cap.31, 10-31) para o qual remeto o conteúdo destes breves considerandos.
Não fosse a sua autoria atribuída oficialmente ao Rei Salomão, (séc.VI-V a.C.) dir-se-ia tratar-se de
uma página proclamatória do excepcional regime denominado Matriarcado.
Com
efeito, a Mulher ganha foros de autêntica dominadora, plenipotenciária no
âmbito da organização familiar, aliando a mais delicada feminilidade ao
dinamismo executivo normalmente adstrito ao homem varão, cabeça de casal. Ela é
a vigilante, a ecónoma, a provedora, a
benemérita sensível aos carenciados e indigentes, trabalha a vinha, lança-se ao
tear, negoceia com os mercadores. E é por ela, que o “marido brilha às portas
da cidade, entre os senadores do reino”. Numa sociedade astutamente
tradicionalista em que à Mulher se impunha a condição de subalterna e frágil, subjugada ao mais forte, o homem, ela surge
imponente, pioneira, vanguardista. Vale a pena consultar o texto multissecular,
precursor do papel que a Mulher ocupa no século XXI.
O
segundo texto exalta a função meritoriamente produtiva do Homem, protótipo de
todo o inquilino deste planeta. É a parábola dos talentos (Mateus, 25, 14-30) em que o
Mestre pretende demonstrar que, no seu Reino, a palavra de ordem é produzir,
recriar, multiplicar a energia virtual escondida no terreno que pisamos, à
espera que o Homem a descubra e desenvolva. Os escravos (na tradução de
Frederico Lourenço) promovidos a
gerentes dos bens do patrão serão louvados e agregados aos assentos reais só e
apenas pelo coeficiente produtivo que investiram na administração dos talentos
recebidos. Só o trabalho é factor de riqueza
e digno de recompensa.
Certo
é que há quem veja nesta parábola dos talentos uma apologia do capitalismo
clássico. E sectores da teologia
protestante, com Max Weber na dianteira, entendem que o crente deve interpretar
como vocação salvífica o enriquecimento pelo enriquecimento, mesmo que ele,
enquanto produtor, não venha a usufruir
da riqueza produzida.
Sejam
quais as interpretações, este Domingo trouxe-nos um olhar dinâmico do que
significa crer e actualizar a nossa crença. Contrariamente a uma visão do
Cristo estático, de vitrina ou relicário, derrotado no madeiro da cruz, sequioso
dos nossos joelhos dobrados, é-nos apresentada uma nova constituição programática do fenómeno
religioso (chame-se catecismo, manual, breviário ou devocionário) em que a
acção ocupa um lugar cimeiro e o cristão descobre o seu verdadeiro cartão de
cidadania, integrando-se obrigatoriamente na construção da História, na
compreensão e extensão do Reino. Quem pretende fugir a este trabalho de transformação
social e cultural exclui-se farisaicamente do Reino. São os que (citando
Francisco Papa) “não querem sujar as mãos na terra”, os puritanos que detestam “o
cheiro do rebanho”.
Em
tempo de confinamento compulsivo, este Domingo parece estar em contraciclo,
tantos são aqueles que querem trabalhar e o momento não lhes consente. Mas,
ainda que confinados, há uma outra produção
de riqueza por desvendar: investir nas pessoas, redescobrir a força reprodutiva
da colaboração mútua e do amor prestativo, mesmo nas quatro paredes onde vivemos.
Assunto sério, motivação desafiante que deixo aqui. Importa saber e sentir que amanhã, o sol nasce de novo!...
15.Nov.20
Martins Júnior
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